27 de dezembro de 2009

Salve Jorge e sua obra fundamental para a MPB

Resenha de caixa de CDs
Título: Salve, Jorge!
Artista: Jorge Ben Jor
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * * *

Uma das pedras fundamentais da MPB, a obra de Jorge Ben Jor nunca teve precedentes - assim como o cancioneiro de Dorival Caymmi (1914 - 2008), para citar outro exemplo de compositor que abriu um escaninho na música brasileira. Por isso mesmo, a recém-lançada caixa Salve, Jorge! - que embala os 13 álbuns gravados por Ben para a Philips do Brasil entre 1963 e 1976 e compila 28 fonogramas raros e/ou inéditos em CD duplo adicional - é item de valor inestimável, ainda que a qualidade dos discos em si possa oscilar. Mesmo porque boa parte destes 13 títulos tinha sido lançada somente uma vez em CD - em 1993, na econômica Série Colecionador - e já estava fora de catálogo no Brasil há mais de dez anos. Mesmo os que volta e meia estiveram nas prateleiras ganham reedições cuidadosas, com remasterização de alto nível (feita por Luigi Hoffer) e a devida restauração da arte gráfica do LP original. É o caso do seminal Samba Esquema Novo (* * * * *), gravado por Ben em 1963 com o Copa 5, o conjunto que o acompanhava nos shows feitos pelo cantor no Beco das Garrafas. Nesta álbum hoje histórico, o cantor apresentou 12 composições com seu violão percussivo que sintetizava a levada do samba com uma batida diferente que tinha algo do rock, algo de maracatu e - claro - algo da bossa então nova. Duas foram clássicos imediatos: Mas que Nada (trampolim em 1966 para o estouro de Sérgio Mendes nos Estados Unidos) e Por Causa de Você, Menina. Outras ganharam status com o tempo, casos de Balança Pema (regravada por Marisa Monte em 1994) e de Rosa, Menina Rosa (revivida por Céu neste ano de 2009). O êxito de Samba Esquema Novo foi tamanho que os dois álbuns lançados pelo compositor em 1964, Sacudin Ben Samba (* * * 1/2) e Ben É Samba Bom (* * * 1/2), não reeditaram o sucesso inicial do cantor, embora estejam calcados no mesmo violão inovador que sustentou o esquema novo apresentado em 1963. Sem hits, Sacudin Ben Samba lançou temas como Anjo Azul e Capoeira. Já Ben É Samba Bom destacou Bicho do Mato e Descalço no Parque - músicas apresentadas também no CD duplo de raridades em registros ao vivo extraídos do LP É Tempo de Música Popular Brasileira (1964) - além de releitura de Oba-Lá-Lá, tema do repertório de João Gilberto e exemplo de como o som de Ben também estava (bem) impregnado de bossa naqueles anos marcados pelo gênero.
A recepção morna obtida pelos dois discos de 1964 levou o compositor a abrir brechas para o intérprete no álbum de 1965, Big Ben (* * *), título menos inspirado da caixa. Nessa altura, Ben já transitava pela Jovem Guarda em flerte que culminou com Silêncio no Brooklin, incompreendido álbum de 1967 que não figura na caixa por ter sido gravado fora da Philips. A volta de Ben à gravadora e ao sucesso nacional aconteceria somente com Jorge Ben (* * * * *), álbum de 1969 que se tornou um clássico instântaneo da discografia do artista por conter músicas como Cadê Teresa?, País Tropical, Que Pena, Charles Anjo 45 e Bebete Vãobora. Ben começava a aproveitar as liberdades estéticas propostas pela Tropicália. Não por acaso, o maestro Rogério Duprat (1932 - 2006) assinou os arranjos de Barbarella e Descobri que Eu Sou um Anjo. Não por acaso também, o disco marca o encontro de Ben com o Trio Mocotó, ampliado em Força Bruta (* * * *), o álbum de 1970 que, mesmo sem reeditar o êxito estrondoso de seu antecessor, deu forma ao balanço de Ben naquela década que se iniciava. Suingue que incluiria algo do soul na mistura brasileira do orgulhoso Negro É Lindo (* * * *), álbum de 1971, ano em que Elis Regina (1945 - 1982) incorporou uma diva da soul music para sentenciar que Black Is Beautiful. Marchando na direção da corrente que mistura a MPB com o soul, Negro É Lindo foi o último dos três álbuns gravados por Ben com o percussivo Trio Mocotó, mas a ênfase recaiu novamente sobre o violão do compositor alquimista, cuja obra atingiria outro pico de criatividade em Ben (* * * * *), o efervescente álbum de 1972 que projetou Fio Maravilha e Taj Mahal. Na sequência, em 1973, 10 Anos Depois (* * *) - único título da caixa editado sem a capa original por questões jurídicas - deu uma pausa para a revisão da obra suingante, compactada em sete medleys que totalarizam 21 músicas. A obra voltaria a andar para a frente somente em 1974, com o lançamento de A Tábua de Esmeralda (* * * * 1/2), álbum impregnado dos conhecimentos de filosofia e alquimia que Jorge vinha adquirindo. O hit imediato foi a faixa Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas. Alquimia que fundiu a obra de Ben com a de Gilberto Gil em Gil & Jorge Ogum Xangô (* * * *), o disco de 1975, espécie de jam registrada em estúdio. Ainda em 1975, Solta o Pavão (* * * 1/2) ratificou - com dose menor de inspiração - o interesse de Ben pela alquimia, pela filosofia e pela teologia. Jorge de Capadócia foi o destaque do repertório - a rigor, inferior ao som do disco. Por fim, África Brasil (* * * * 1/2) rendeu hits como Xica da Silva e marcou o início da eletrificação da banda do Zé Pretinho, que continuaria a animar a festa na Som Livre, a gravadora na qual Jorge Ben gravou uma série de discos de pegada mais pop. Alguns até bem interessantes, mas muitos sem a pegada dos discos da fase áurea reunidos nessa caixa essencial. Salve Jorge e sua alquimia!!!!

9 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Uma das pedras fundamentais da MPB, a obra de Jorge Ben Jor nunca teve precedentes - assim como o cancioneiro de Dorival Caymmi (1914 - 2008), para citar outro exemplo de compositor que abriu um escaninho na música brasileira. Por isso mesmo, a recém-lançada caixa Salve, Jorge! - que embala os 13 álbuns gravados por Ben para a Philips do Brasil entre 1963 e 1976 e compila 28 fonogramas raros e/ou inéditos em CD duplo adicional - é item de valor inestimável, ainda que a qualidade dos discos em si possa oscilar. Mesmo porque boa parte destes 13 títulos tinha sido lançada somente uma vez em CD - em 1993, na econômica Série Colecionador - e já estava fora de catálogo no Brasil há mais de dez anos. Mesmo os que volta e meia estiveram nas prateleiras ganham reedições cuidadosas, com remasterização de alto nível (feita por Luigi Hoffer) e a devida restauração da arte gráfica do LP original. É o caso do seminal Samba Esquema Novo (* * * * *), gravado por Ben em 1963 com o Copa 5, o conjunto que o acompanhava nos shows feitos pelo cantor no Beco das Garrafas. Nesta álbum hoje histórico, o cantor apresentou 12 composições com seu violão percussivo que sintetizava a levada do samba com uma batida diferente que tinha algo do rock, algo de maracatu e - claro - algo da bossa então nova. Duas foram clássicos imediatos: Mas que Nada (trampolim em 1966 para o estouro de Sérgio Mendes nos Estados Unidos) e Por Causa de Você, Menina. Outras ganharam status com o tempo, casos de Balança Pema (regravada por Marisa Monte em 1994) e de Rosa, Menina Rosa (revivida por Céu neste ano de 2009). O êxito de Samba Esquema Novo foi tamanho que os dois álbuns lançados pelo compositor em 1964, Sacudin Ben Samba (* * * 1/2) e Ben É Samba Bom (* * * 1/2), não reeditaram o sucesso inicial do cantor, embora estejam calcados no mesmo violão inovador que sustentou o esquema novo apresentado em 1963. Sem hits, Sacudin Ben Samba lançou temas como Anjo Azul e Capoeira. Já Ben É Samba Bom destacou Bicho do Mato e Descalço no Parque - músicas apresentadas também no CD duplo de raridades em registros ao vivo extraídos do LP É Tempo de Música Popular Brasileira (1964) - além de releitura de Oba-Lá-Lá, tema do repertório de João Gilberto e exemplo de como o som de Ben também estava (bem) impregnado de bossa naqueles anos marcados pelo gênero.

27 de dezembro de 2009 às 14:33  
Blogger Mauro Ferreira said...

A recepção morna obtida pelos dois discos de 1964 levou o compositor a abrir brechas para o intérprete no álbum de 1965, Big Ben (* * *), título menos inspirado da caixa. Nessa altura, Ben já transitava pela Jovem Guarda em flerte que culminou com Silêncio no Brooklin, incompreendido álbum de 1967 que não figura na caixa por ter sido gravado fora da Philips. A volta de Ben à gravadora e ao sucesso nacional aconteceria somente com Jorge Ben (* * * * *), álbum de 1969 que se tornou um clássico instântaneo da discografia do artista por conter músicas como Cadê Teresa?, País Tropical, Que Pena, Charles Anjo 45 e Bebete Vãobora. Ben começava a aproveitar as liberdades estéticas propostas pela Tropicália. Não por acaso, o maestro Rogério Duprat (1932 - 2006) assinou os arranjos de Barbarella e Descobri que Eu Sou um Anjo. Não por acaso também, o disco marca o encontro de Ben com o Trio Mocotó, ampliado em Força Bruta (* * * *), o álbum de 1970 que, mesmo sem reeditar o êxito estrondoso de seu antecessor, deu forma ao balanço de Ben naquela década que se iniciava. Suingue que incluiria algo do soul na mistura brasileira do orgulhoso Negro É Lindo (* * * *), álbum de 1971, ano em que Elis Regina (1945 - 1982) incorporou uma diva da soul music para sentenciar que Black Is Beautiful. Marchando na direção da corrente que mistura a MPB com o soul, Negro É Lindo foi o último dos três álbuns gravados por Ben com o percussivo Trio Mocotó, mas a ênfase recaiu novamente sobre o violão do compositor alquimista, cuja obra atingiria outro pico de criatividade em Ben (* * * * *), o efervescente álbum de 1972 que projetou Fio Maravilha e Taj Mahal. Na sequência, em 1973, 10 Anos Depois (* * *) - único título da caixa editado sem a capa original por questões jurídicas - deu uma pausa para a revisão da obra suingante, compactada em sete medleys que totalarizam 21 músicas. A obra voltaria a andar para a frente somente em 1974, com o lançamento de A Tábua de Esmeralda (* * * * 1/2), álbum impregnado dos conhecimentos de filosofia e alquimia que Jorge vinha adquirindo. O hit imediato foi a faixa Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas. Alquimia que fundiu a obra de Ben com a de Gilberto Gil em Gil & Jorge Ogum Xangô, o disco de 1975 que é como uma jam registrada em estúdio. Ainda em 1975, Solta o Pavão (* * * 1/2) ratificou - com dose menor de inspiração - o interesse de Ben pela alquimia, pela filosofia e pela teologia. Jorge de Capadócia foi o destaque do repertório - a rigor, inferior ao som do disco. Por fim, África Brasil (* * * * 1/2) rendeu hits como Xica da Silva e marcou o início da eletrificação da banda do Zé Pretinho, que continuaria a animar a festa na Som Livre, a gravadora na qual Jorge Ben gravou uma série de discos de pegada mais pop. Alguns até bem interessantes, mas muitos sem a pegada dos discos da fase áurea reunidos nessa caixa essencial. Salve Jorge e sua alquimia!!!!

27 de dezembro de 2009 às 14:33  
Anonymous Anônimo said...

Por mais que a tentação de dar 'estrelas' para álbuns clássicos em reedições seja grande, não acho uma boa estratégia. Uma coisa é julgar um disco lançado agora, outra julgar um disco que já tem uma história. Talvez se as estrelas se referissem à qualidade da remasterização, ou da parte gráfica, mas é um pouco trapaceiro julgar discos que fazem parte do imaginário da música brasileira.

Por exemplo: é embaraçoso dar menos de cinco estrelas para A Tábua de Esmeraldas e África Brasil. O segundo é um disco de soul/funk tão bom quanto qualquer coisa gravada no gênero em qualquer lugar ou época.

Alguns discos clássicos, apreendidos depois de virarem clássicos, não me parecem ser bons objetos para este tipo de exercício. Pior ainda quando, mesmo com o benefício da história, comete-se o que só pode - objetivamente - ser descrito como gafe.

De resto, a resenha está ótima!

27 de dezembro de 2009 às 16:12  
Anonymous Anônimo said...

Belíssimo trabalho da Universal! Prova de que milagres, às vezes, acontecem!
A resenha está MUITO BOA. Só acho que álbuns maravilhosos como "Força Bruta" e "Solta o Pavão" mereciam cotações maiores. E pro "Gil e Jorge" falta cotação. Mesmo assim, está EXCELENTE!

Agora que a Universal lançou a caixa do Babulina, podia se animar e lançar uma caixa com os álbuns clássicos do Síndico. O Tim merece e nós, fãs, agradecemos!

27 de dezembro de 2009 às 22:38  
Anonymous Alexandre Siqueira said...

Jorge Benjor também merece entrar para a memória da MPB através de caixa de discos que, se ainda não vem completa e com todas as capas originais, pelo menos mantém o registro histórico de uma obra influente e ajuda a difundir ainda mais o valor do cantor/compositor. Bela resenha.

P.S.: Mauro, se couber uma singela observação, por favor, não use mais a cor laranja nos posts por questões de usabilidade e acessibilidade.

27 de dezembro de 2009 às 23:45  
Anonymous Anônimo said...

Cadê a resenha do disco de raridades?

29 de dezembro de 2009 às 08:15  
Blogger André said...

Oi Mauro! Rapaz, o Ben Jor fez um show aqui em João Pessoa, dia 2 de janeiro, e também uma revelação surpreendente: ao autografar o box de um amigo meu, deu uma riscada na capinha correspondente ao duplo de raridades e escreveu, em letras garrafais: NÃO AUTORIZADO. Mais tarde, me disse que não fora, sequer, consultado para liberação das faixas que estão no CD. Muito provavelmente, deve entrar na justiça e, se ganhar, a caixa pode ser reeditada sem o duplo, que aí sim, vai virar raridade. No dia 5 de janeiro, eu trouxe uma nota sobre isso no Jornal da Paraíba. Abraços!

12 de janeiro de 2010 às 11:39  
Anonymous James said...

"Remasterização de alto nível"???
Desculpe mas tenho que discordar. Luigi Hoffer praticamente arruinou as gravações, como aliás já tinha feito na criminosa remasterização dos discos dos Mutantes. Seu Luigi deve estar ficando surdo pois parece achar que volume significa qualidade. Compressão no limite e perda quase total da dinâmica é o que essa remasterização de alto volume (isso sim) nos proporciona. O velho Luigi por algum motivo difícil de imaginar demonstra ser um dos mais ferrenhos defensores da nefasta "Loudness War" que assola a indústria musical nos últimos tempos. É incrivel pensar que ele foi técnico de várias dessas gravações na época e agora, décadas depois as destrói impiedosamente. Já não basta termos poucas gravações de qualidade nos dias de hoje. Temos que estragar as de antigamente.

23 de janeiro de 2010 às 21:00  
Anonymous Luigi Hoffer said...

Caro James não lhe conheço e nem sei se seus conhecimentos tecnicos são tão profundos assim para emitir opiniões sobre qualidade e compressão,sempre respeitei todas as criticas e quando as mesmas são procedentes procuro dentro do possível me corrigir, não quero aqui polemizar numa discussão onde 99% das criticas foram favoráveis dentre a quais a de um critico de música do quilate do Mauro Ferreira esse sim com profundos conhecimentos, so quero lhe dar um conselho seja mais educado ao emitir as suas opiniões e com certeza no mínimo o senhor será mais respeitado

25 de fevereiro de 2010 às 20:18  

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