Bethânia canta história nobre ao ganhar prêmio
Que nunca serei alguém
Sei, de sobra
Que nunca terei uma obra
Sei, enfim
Que nunca saberei de mim
Mas agora
Enquanto dura esta hora
Esse luar, esses ramos
Essa paz em que estamos
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser
Sim, Sei Bem (Sueli Costa - Fernando Pessoa)
Como a lembrar sutil e poeticamente que todas as glórias são transitórias, Maria Bethânia abriu o show idealizado para a cerimônia de entrega do Prêmio Shell de Música 2008 com Sim, Sei Bem - poema de Fernando Pessoa, musicado por Sueli Costa e gravado por Bethânia no último CD da compositora, Amor Blue (2006). Mas, sim, Bethânia tem uma obra. E na noite de terça-feira, 9 de setembro de 2008, na casa carioca Vivo Rio, a hora era de homenagens a essa obra tão autoral que fez com que, pela primeira vez, o Prêmio Shell de Música laureasse uma voz, uma intérprete, e não um compositor como, até então, mandava o regulamento do Shell - criado em 1981, com tributo a Pixinguinha.
Em seu discurso de agradecimento, a cantora (em foto de Rodrigo Amaral durante o show) lembrou nomes importantes na sua trajetória majestosa - como Nara Leão (1942 - 1989), que, ao precisar deixar o elenco do musical Opinião em 1965, indicou Bethânia para ocupar seu lugar no espetáculo - marco inicial de carreira pautada pela extrema coerência e devoção aos seus credos e origens. A Bahia estava feliz, sinalizou Bethânia ao agradecer seu Prêmio Shell, e não foi por acaso. "Sou de Keto", sentenciou em verso do inédito samba Feita na Bahia, composto por Roque Ferreira e apresentado em primeira mão no show. De Keto, e de guetos, Bethânia cantou sua história e sua terra sem nunca deixar de ser quem sempre foi. Recitou poemas, desafinou, encantou, esqueceu letra (a de Vila do Adeus) e, como sempre, saiu de cena consagrada, Abelha Rainha, enternecida pelo mel e pelas flores dos súditos que puderam ver o show para convidados.
Sem forçar um caráter retrospectivo no roteiro, Bethânia costurou no inédito show músicas de vários discos e espetáculos. Houve surpresas, como O Canto do Pajé e Não Identificado, e até algumas músicas inéditas. Entre outras músicas que identificam o canto intenso de Bethânia no imaginário popular, passaram pelo filtro de sua voz - nessa noite de festa - Yayá Massemba, O Nome da Cidade, Lamento Sertanejo, Viramundo, O Quereres, Drama, Explode Coração, Bela Mocidade, Iluminada, Lágrima, Olhos nos Olhos, Volta por Cima, Doce Mistério da Vida, Beira-Mar, Debaixo d'Água / Agora, O Canto do Pajé, Sonho Impossível, Reconvexo e, claro, Rosa dos Ventos, tema do show emblemático de 1971 - a matriz dos espetáculos teatrais da luminosa intérprete.
Também uma matriz forte da obra de Maria Bethânia, a figura de Dorival Caymmi (1914 - 2008) foi elegantemente reverenciada com João Valentão - número ao qual se seguiu o delicioso Doce, tema de Roque Ferreira que Bethânia lançou neste ano de 2007 no show feito com a cantora cubana Omara Portuondo. Doce reverencia a baianidade nagô de Caymmi. E Maria Bethânia, vale sempre lembrar, é da Bahia, é de Santo Amaro da Purificação. Simbolicamente, tanto Motriz como Céu de Santo Amaro foram estrategicamente posicionadas ao fim do roteiro - entremeadas com Chão de Estrelas - para evidenciar que, por mais voltas que dê pelo mundo, a obra majestosa de Maria Bethânia ainda gravita em torno de sua terra. Matriz, motriz - na verve do mano Caetano.
31 Comments:
Sim, sei bem
Que nunca serei alguém
Sei, de sobra
Que nunca terei uma obra
Sei, enfim
Que nunca saberei de mim
Mas agora
Enquanto dura esta hora
Esse luar, esses ramos
Essa paz em que estamos
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser
Sim, Sei Bem (Sueli Costa - Fernando Pessoa)
Como a lembrar poeticamente que todas as glórias são transitórias, Maria Bethânia abriu o show idealizado para a cerimônia de entrega do Prêmio Shell de Música 2008 com Sim, Sei Bem - poema de Fernando Pessoa, musicado por Sueli Costa e gravado por Bethânia no último CD da compositora, Amor Blue (2006). Mas, sim, Bethânia tem uma obra. E na noite de terça-feira, 9 de setembro de 2008, na casa carioca Vivo Rio, a hora era de homenagens a essa obra tão autoral que fez com que, pela primeira vez, o Prêmio Shell de Música laureasse uma voz, uma intérprete - e não um compositor como, até então, mandava o regulamento do Shell, criado em 1981 com tributo a Pixinguinha.
Em seu discurso de agradecimento, a cantora (em foto de Rodrigo Amaral durante o show) lembrou nomes importantes na sua trajetória majestosa - como Nara Leão (1942 - 1989), que, ao precisar deixar o elenco do musical Opinião em 1965, indicou Bethânia para ocupar seu lugar no espetáculo - marco inicial de carreira pautada pela extrema coerência e devoção aos seus credos e origens. A Bahia estava feliz, sinalizou Bethânia ao agradecer seu Prêmio Shell, e não foi por acaso. "Sou de gueto", sentenciou em verso do inédito samba Feito na Bahia, composto por Roque Ferreira e apresentado em primeira mão no show. No roteiro, a propósito, Bethânia cantou sua história e seus guetos sem deixar de ser quem sempre foi. Recitou poemas, desafinou, encantou, esqueceu letra (a de Vila do Adeus) e, como sempre, saiu de cena consagrada, Abelha Rainha, enternecida pelo mel e pelas flores dos súditos que puderam ver o show para convidados.
Sem forçar um caráter retrospectivo no roteiro, Bethânia costurou no inédito show músicas de vários discos e shows. Houve surpresas, como O Canto do Pajé e Não Identificado, e até algumas músicas inéditas. Entre outras músicas que identificam o canto intenso de Bethânia no imaginário popular, passaram pelo filtro de sua voz - nessa noite de festa - Yayá Massemba, O Nome da Cidade, Lamento Sertanejo, Viramundo, O Quereres, Drama, Explode Coração, Bela Mocidade, Iluminada, Lágrima, Olhos nos Olhos, Volta por Cima, Doce Mistério da Vida, Beira-Mar, Debaixo d'Água / Agora, O Canto do Pajé e Sonho Impossível, Reconvexo e, claro, Rosa dos Ventos, tema do show emblemático de 1971 - a matriz dos espetáculos teatrais da luminosa intérprete.
Uma das matrizes da obra de Maria Bethânia, a figura de Dorival Caymmi (1914 - 2008) foi elegantemente reverenciada com João Valentão - número ao qual se seguiu o delicioso Doce, tema de Roque Ferreira que Bethânia lançou neste ano de 2007 no show feito com a cantora cubana Omara Portuondo. Doce reverencia a baianidade nagô de Caymmi. E Bethânia, vale lembrar, é da Bahia, é de Santo Amaro da Purificação. Simbolicamente, Motriz e Céu de Santo Amaro foram estrategicamente posicionadas ao fim do roteiro - entremeadas com Chão de Estrelas - para evidenciar que, por mais voltas que dê pelo mundo, a obra majestosa de Maria Bethânia ainda gravita em torno de Santo Amaro. Matriz, motriz...
Imagino o que foi isso. MB, sem desfazer os fios de sua meada, surpreende sempre em suas apresentações. Seja com um extemporâneo Benito de Paula, um inesperado Villa Lobos, ou abrindo um espetáculo com esta pérola de Pessoa e Suely, em vez daquelas entradas tonitroantes com que costuma arrebatar sua platéia em vários shows.
O tempo, além de aparar arestas do canto impulsivo de Bethânia, burilou ao máximo uma elegância que já se insinuava naquela menina que Bressane captou em seu documentário recentemente (re)lançado.
Esta artista não encontra paralelo no cenário musical contemporâneo.
Ave Bethânia!
A GRANDE DIVA DA MPB
BETHANIA É SUNTUOSA, BRILHANTE, PROFUNDA, CALEIDOSCÓPICA. ORGULHO NACIONAL. PATRIMÔNIO DA ARTE UNIVERSAL.
A ELA TODAS AS HOMENAGENS.
Mauro, a nova -e linda- música, não fala em gueto e sim Keto...'sou iluminada...confirmada...sou de keto sim!"...Abçs.
Bem, depois desse começo prefiro me calar não sem lamentar o fato de não ter tido a possibilidade de assistir.
Parabéns,Maria Bethânia.
Humberto
Parabéns, Diva MARAVILHOSA! Você merece este prêmio e muito mais, pois você é a Rainha da Música Popular Brasileira!!!
Obrigado por exixtir, Maria Bethânia!!!!!
KETO é a vertente de candomblé ao qual pertence MB.
A Estrela mais brilhante da MPB (AINDA).
Tinha vontade de saber se Maria Bethania ou um preposto estão guardando seu acervo jornalístico, iconográfico, fonográfico (takes extras, diálogos de estúdio), de vestuário e de audiovisual.
Além dos programas de entrevista, ela tem outros depoimentos gravados? Haverá depoimentos registrados de seus contemporâneos (músicos, diretores, familiares, artistas brasileiros e estrangeiros, amigos), além dos que já circularam?
Acho que Maria Bethânia e o público merecem uma daquelas biografias-tijolão, bem documentada, com vários anexos de fotos, cartazes, capas de disco. Um pouco na linha do que Ruy Castro fez com Carmen Miranda e Stuart Nicholson fez com Ella Fitzgerald.
Quanto ao prêmio, sem ter participado de nenhum movimento musical, Bethânia é uma das figuras mais importantes dos últimos 50 anos no país. Além da música, tem lá suas passagens pelo teatro e pelo cinema. Esse prêmio é justo. Seria mais ainda no ano que vem, com a premiação de Elis Regina (i.m.) neste.
Muitos parabéns para a maior cantora do Brasil (viva)! Ela merece! Que saudades de Elis Regina, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira e outras cantoras vicerais e de personalidade como você, Bethânia. Você é a última dessa geração! Beijos
Mauro, aguardo um post sobre a lista do Grammy Latino 2008. Saiu agora a pouco!
Com 3 indicações a Maria Bethânia e a cantora evangélica Soraia Moraes. 2 indicações para Roberta Sá ( incluindo revelação do ano ) e Nação Zumbi!
Mauro, juro que não entendi a chamada para este post. A que "guetos" vc quis se referir? Houve ralmente confusão de sua parte com keto do candomblé?
Enfim, se achar pertinente, se explique. Gostei de seu comentário, o único consistente que encontrei na rede, referente a esta noite de grande importância para a mais coerente e madura artista brasileira de música popular.
Obrigado.
Me emociona a Bethania estar aí ativíssima recebendo todas estas homenagens que reverenciam sua seriedade e profundo respeito pela arte.
Ela realmente desafina algumas vezes cantando, mas jamais sai do tom no que concerne à condução de sua carreira vitoriosa.
Exemplo a ser seguido por todos que pretendem dar sua contribuição verdadeira para a arte, este bálsamo sem o qual padeceríamos de uma grande solidão existencial.
Grande cidadã brasileira.
A Lucca e aos demais navegantes: no meu entendimento, o samba falava em gueto e também em Keto. Mas acho que me equivoquei. Por isso, alterei a chamada e o texto. Guetos não necessariamente são ruins. Acho que em seus discos e shows Bethânia transita por guetos e molda um universo todo particular a partir deles. Mas, como parece não haver a palavra gueto na letra, alterei o texto e a chamada. Obrigado a todos pela audiência sempre crescente do blog. Desculpas por quase nunca responder ninguém, mas prefiro assim: sem privilégios para este ou aquele. Aqui abri uma exceção porque a versão inicial do texto realmente dava margem a dúvidas.
Justíssima homenagem a nossa DIVA-MOR. Além dessas homenagens, MB merece o nosso respeito pela sua grandiloquente contribuição a cultura brasileira. VIVA NOSSA ABELHA RAINHA.
SALVE RAINHA!
nada mais a acrescentar sobre a excelência desta maria.
dona do dom, da voz, senhora de si, de seu tempo, de seus desejos, uma maravilha essa mulher.
longe dos artigos-de-série, essa baiana faz altíssima costura sem tirar o olho do popular.
Gente qual foi o ROTEIRO do show??? eu pergunto como era a ordem das musicas?? to curioso!!!
Láurea merecida. Bethania é autora de sua trajetória.
Será que ela se lembrou de citar o Fauze, um alter ego importantíssimo em sua jornada?!
11:37, o jornal de hoje diz que ela 'dividiu' o prêmio com a família, os professores, os músicos (J Alem, etc.), Nara Leão e os diretores (F Arap, Bibi, etc.), entre outros.
Mauro, muito obrigado pelo post, que transmitiu antes de todo mundo as informações sobre o Shell deste ano. Você sempre à frente.
Maria Bethania já está acima do bem e do mal. Há pouco o que acrescentar a sua trajetória vitoriosa.
Admiro sua inteligência e me refastelo com seu charme e dengo tipicamente baianos.
Bethania é toda cheia de GRAÇA.
Mauro, obrigado pelo alô. Estamos sempre por aqui.
Bethânia é mesmo hard core.
Abs.
MB é destas artistas raras que têm um olhar sensível e estético em seu cotidiano. São raríssimos os verdadeiros artistas. Eles se diferenciam das pessoas unicamente talentosas exatamente por converterem em arte as inquietações e elucubrações que fazem parte de sua existência.
"Procure entender o que dizem os verdadeiros artistas em suas obras primas e encontrarás Deus nelas"
Picasso, Callas, Van Gogh, Mozart, Piaf, Billie, Villa Lobos, Clarice, M. Durat, Zé Celso, Débora Colker, Bibi, Fernanda, Bergman, Almodovar, Chico, Lygia, Maria Bethânia..................
Bethânia merece todas as honrarias... Um exemplo de brasilidade e dedicação à música!
Parabéns Mauro!
Adorei a notíca. Bethania realmente merece todas as homenagens ... Continuo esperando os DVDs...????
j lino, concordo plenamente mas acrescentaria alguns, assim de pronto: caetano, j. moreau, calcanhoto, felini, amália rodrigues, marilia pera, paulo autran, ah, bebê, são muitos, felizmente.
Maria Bethania abrindo o seu show com a música de Sueli Costa com poema de Fernando Pessoa que ela gravou no "Amor Blue" de Sueli só demonstra a grandeza dessa intérprete maravilhosa. Adoro ouvir Sueli Costa na voz da Beta. Não tem prá ninguém...
bethania e roberto são os grandes expoentes de nossa cultura popular.
rei e rainha mandam bem pra cacete. ele, direto ao coração, e ela dando uma passadinha antes pelo cérebro.
mas ambos sabem qual é o alvo.
maravilhosos!
AE GENTE ! O DVD NOVO JÁ ESTÁ EM PRE VENDA NO SITE DA LIVRARIA SARAIVA ! tomei um susto quando vi por acaso ! bjo do edu.
Edu - abc
e esse figurino? é uma saia por cima da calça????
gostei do repertório. bethania sintetizou legal sua trajetória vitoriosa.
Tb queria saber do figurino.
Enquanto isso, fico batendo palmas para a mais expressiva cantora do país!
Parabéns Rainha! Se a música é perfume, você é o perfume do Brasil.
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