Bethânia mergulha de cabeça em grande show
Resenha de show
Título: Dentro do Mar Tem Rio
Artista: Maria Bethânia
Local: Tom Brasil Nações Unidas (SP)
Data: 10 de novembro de 2006
Cotação: * * * * *
Diferentemente do antecessor Tempo Tempo Tempo Tempo, show que estreou em fevereiro de 2005 com costura frouxa que foi sendo ajustada na estrada, Dentro do Mar Tem Rio chegou à cena já arrebatador. Maria Bethânia transpõe suas memórias das águas para o palco sem o tom eventualmente solene dos dois CDs recém-lançados (sobretudo de Mar de Sophia) que fornecem a matéria-prima do roteiro primorosamente alinhavado por Berré com Fauzi Arap, firme condutor de seu barco cênico desde 1967.
Desta vez, o cenário idealizado pela diretora Bia Lessa – um painel clean sobre o qual são projetados símbolos dos mares e rios – não disputa espaço com a intérprete (na foto, clicada em cena por Beti Niemeyer). Sua alteza, em majestosa forma vocal, reina soberana em dois atos. No primeiro, com figurino vermelho, em referência a Iansã, saudada ao fim em Dona do Raio e do Vento. No segundo, vestida de branco e dourado que remetem a Oxum e a Yemanjá, os orixás tributados em Canto de Oxum e Iemanjá Rainha do Mar.
Dentro do mar de Bethânia tem Rio, sertão, sambas de roda, fados, frevos e cantigas de acento folclórico. São pérolas que emergem do roteiro ora em tom lúdico e terno (Pedrinha Miúda), ora épico (Memórias do Mar, Kirimurê), ora mais intenso (como na valsa Lágrima, de letra perfeita para a intérprete exibir a sua natural dramaticidade) e ora até (explicita ou implicitamente) político. Se o texto Ultimatum (Álvaro de Campos, 1917) é dos mais fortes já ditos por Bethânia no palco, Asa Branca, um dos números iniciais do primeiro ato, já lembra a recorrente falta d'água no sertão, cujo fim é rogado quase ao término do show em Meu Divino São José.
A bela intensidade da poesia e da música que emergem no palco - urdidas com paradoxal atmosfera de delicadeza - faz do show um dos melhores da carreira de Maria Bethânia. A costura do roteiro é perfeita. O elo bem pode ser a melancolia ruralista que agrupa A Saudade Mata a Gente, Gostoso Demais (toada de Dominguinhos que a artista gravou em 1986 no disco Dezembros) e Tristeza do Jeca em seqüência de pura beleza. Ou então a mágoa amorosa que junta Atiraste uma Pedra (o clássico de Herivelto Martins e David Nasser, revivido por Bethânia em 1981 no disco Alteza) à supra-citada valsa Lágrima em um bloco de contornos mais românticos.
A força com que Maria Bethânia mergulhou na onda erótica de Eu que Não Sei Quase Nada do Mar fez com que, na estréia paulista, o público a ovacionasse ao fim da música de Ana Carolina e Jorge Vercilo como se o show tivesse terminado. O delírio foi tanto que a cantora teve que pedir para dar prosseguimento ao belo roteiro, eventualmente sublinhado musicalmente com a viola caipira de Jaime Alem (em números como De Papo pro Ar) e com a sanfona confiada ao pianista João Carlos Coutinho em Riacho do Navio e em Filosofia Pura, chula lançada pela diva no disco Ciclo (1983).
Grande e bela surpresa do fim do segundo ato, que precede o bis carnavalesco (Das Maravilhas do Mar Fez-se o Esplendor de uma Noite, A Filha da Chiquita Bacana, Chuva, Suor e Cerveja e Água Lava Tudo, marcha popularizada por Emilinha Borba no Carnaval de 1955), Movimento dos Barcos (Jards Macalé) fecha o segundo ato e sinaliza que as densas memórias das águas de Maria Bethânia estão vivas, embaralhando passado e presente para formatar um dos melhores shows da intérprete em banho de fina musicalidade.
Título: Dentro do Mar Tem Rio
Artista: Maria Bethânia
Local: Tom Brasil Nações Unidas (SP)
Data: 10 de novembro de 2006
Cotação: * * * * *
Diferentemente do antecessor Tempo Tempo Tempo Tempo, show que estreou em fevereiro de 2005 com costura frouxa que foi sendo ajustada na estrada, Dentro do Mar Tem Rio chegou à cena já arrebatador. Maria Bethânia transpõe suas memórias das águas para o palco sem o tom eventualmente solene dos dois CDs recém-lançados (sobretudo de Mar de Sophia) que fornecem a matéria-prima do roteiro primorosamente alinhavado por Berré com Fauzi Arap, firme condutor de seu barco cênico desde 1967.
Desta vez, o cenário idealizado pela diretora Bia Lessa – um painel clean sobre o qual são projetados símbolos dos mares e rios – não disputa espaço com a intérprete (na foto, clicada em cena por Beti Niemeyer). Sua alteza, em majestosa forma vocal, reina soberana em dois atos. No primeiro, com figurino vermelho, em referência a Iansã, saudada ao fim em Dona do Raio e do Vento. No segundo, vestida de branco e dourado que remetem a Oxum e a Yemanjá, os orixás tributados em Canto de Oxum e Iemanjá Rainha do Mar.
Dentro do mar de Bethânia tem Rio, sertão, sambas de roda, fados, frevos e cantigas de acento folclórico. São pérolas que emergem do roteiro ora em tom lúdico e terno (Pedrinha Miúda), ora épico (Memórias do Mar, Kirimurê), ora mais intenso (como na valsa Lágrima, de letra perfeita para a intérprete exibir a sua natural dramaticidade) e ora até (explicita ou implicitamente) político. Se o texto Ultimatum (Álvaro de Campos, 1917) é dos mais fortes já ditos por Bethânia no palco, Asa Branca, um dos números iniciais do primeiro ato, já lembra a recorrente falta d'água no sertão, cujo fim é rogado quase ao término do show em Meu Divino São José.
A bela intensidade da poesia e da música que emergem no palco - urdidas com paradoxal atmosfera de delicadeza - faz do show um dos melhores da carreira de Maria Bethânia. A costura do roteiro é perfeita. O elo bem pode ser a melancolia ruralista que agrupa A Saudade Mata a Gente, Gostoso Demais (toada de Dominguinhos que a artista gravou em 1986 no disco Dezembros) e Tristeza do Jeca em seqüência de pura beleza. Ou então a mágoa amorosa que junta Atiraste uma Pedra (o clássico de Herivelto Martins e David Nasser, revivido por Bethânia em 1981 no disco Alteza) à supra-citada valsa Lágrima em um bloco de contornos mais românticos.
A força com que Maria Bethânia mergulhou na onda erótica de Eu que Não Sei Quase Nada do Mar fez com que, na estréia paulista, o público a ovacionasse ao fim da música de Ana Carolina e Jorge Vercilo como se o show tivesse terminado. O delírio foi tanto que a cantora teve que pedir para dar prosseguimento ao belo roteiro, eventualmente sublinhado musicalmente com a viola caipira de Jaime Alem (em números como De Papo pro Ar) e com a sanfona confiada ao pianista João Carlos Coutinho em Riacho do Navio e em Filosofia Pura, chula lançada pela diva no disco Ciclo (1983).
Grande e bela surpresa do fim do segundo ato, que precede o bis carnavalesco (Das Maravilhas do Mar Fez-se o Esplendor de uma Noite, A Filha da Chiquita Bacana, Chuva, Suor e Cerveja e Água Lava Tudo, marcha popularizada por Emilinha Borba no Carnaval de 1955), Movimento dos Barcos (Jards Macalé) fecha o segundo ato e sinaliza que as densas memórias das águas de Maria Bethânia estão vivas, embaralhando passado e presente para formatar um dos melhores shows da intérprete em banho de fina musicalidade.
19 Comments:
Mauro,
pelo que senti na sua resenha, esse show é mais "temático" como "Brasileirinho" e diferente de coisas como "Imitação da Vida", no qual prevalecem as canções de amor mais famosas de sua carreira.
Estou ansiso para a estréia aqui no Rio...
Abraço,
Felipe.
alguém sabe me dizer se o show chega a Recife??
Mauro,
você não poderia colocar o roteiro na íntegra?
Na noite de 10.11.06 Maria Bethânia foi ovacionada em São Paulo como raramente se viu. Apresentou um espetáculo deslumbrante e onírico. Terno, vibrante, colorido e, especialmente, mágico.
Mauro, que bom que vc viu.
Felipe, vc não assistiu mas entendeu tudo. É isso mesmo. Um show para "iniciados".
Mauro,
ela incluiu alguma das músicas inéditas que não puderam constar dos CDs?
Respondendo:
1) não sei se o show chega a Recife.
2) não, não entraram músicas inéditas.
3) sim, amanhã (domingo) publico o roteiro.
Nas águas de Bethânia velejamos, saímos de barco, canoa, caravelas, naus. Brincamos de roda, banhamos no rio, descemos ao fundo do mar. Havia lua, estrelas, sereias, iaras, cavalos-marinhos, música e poesia, pura poesia.
Nas águas de Bethânia só não navegam transatlânticos.
mauro, que viagem, hein!
ainda me encontro submersa...com o perdão do lugar comum, de alma lavada...
Muito ansioso...
RAPAZ, A BAIANA MATOU A PAU!!!
TIRANDO AQUELE FIGURINO DO SEGUNDO ATO, MISTURA DE YEMANJÁ COM PEDRITA, O SHOW FOI 10! A MULHER TA CANTANDO MUITO.
Oi
Fui ontem ao show, a casa não estava cheia e Bethânia, no segundo ato, não usou o figurino branco com aplicações douradas:usou uma saia cor dew vinho sobre umas calças compridas. De resto, show, show, show, show!! Nota quinhentos! Serviço da casa , nota ZERO!! Manobristas, abaixo de ZERO!! Beta merece teatro, Teatro Municipal!!!
Bethânia, assim como Elis e Gal, é um ser único e histórico da nossa música. Faz e refaz, com bom gosto e sensibilidade como ninguém - Prova disso: Mar de Sophia e Pirata!
Imagino o quão interessante deve ser o novo show, afinal, estamos falando de uma abelha, e não de uma abelha qualquer, mas da ABELHA RAINHA!
Salve Bethânia!
Aviso aos navegantes: aí está a foto. Demorou, mas chegou (problemas técnicos). E, por questão técnicas, tive que abrir nova postagem para que a foto aparecesse. Reproduzi, então, todos os comentários na ordem em que foram feitos, por isso a hora não corresponde ao momento em que eles foram feitos.
rs...rs...pedrão, tô contigo. realmente o segundo figurino é lamentável. valeu pela audácia da moça mas o resultado final é de gosto bastante duvidoso.
isto não tira o brilho de todo o resto. bethânia está cantando melhor do que nunca, brincado com os agudos, descontraída, um roteiro impecável...a bola não sai de seu pé por nenhum momento. coisa de gente grande. o tempo que se passa no "terreiro de bethânia" é sempre agradabilíssimo. acaba e a gente fica com vontade de quero mais.
ok, em abril ela estará de volta a são paulo que, realmente, serviu de água morna e transparente para o banho magistral da cantora.
Fui a Sao Paulo assistir. Irrepreensível dentro de sua proposta mas prefiro a Bethania das canções de amor exasperadas. Para mim os grandes momentos ainda foram Atiraste Uma Pedra e Lágrima. Arrepiante.
Não conhecia essa música Lágrima. Achei chocante e a interpretação da Bethânia é uma lâmina afiadíssima. Cortante. Casamento perfeito. Esta senhora está sempre dentro do lance.
Linda foto, lindos os discos, ando apaixonado por essa baiana. Há sequências em ambos os cds que são verdadeiras obras primas realmente. O Brasileirinho curti bastante, assisti duas vezes o show mas passou. Estes têm cheiro de eternidade.
Marisa e Bethânia são as estrelas de 2006.
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