8 de janeiro de 2010

Bossa negra sustenta o show da 'operária' Elza

Resenha de Show
Título: Elza, Operária Brasileira
Artista: Elza Soares (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Teatro Rival (RJ)
Data: 7 de janeiro de 2010
Cotação: * * * 1/2
Em cartaz até sábado, 9 de janeiro de 2010

"É som de preto, de favelado... Quando a Elza canta, ninguém fica parado", sentenciou Elza Soares sem a mínima modéstia, citando o funk Som de Preto (MCs Amilckar e Chocolate) no bis de seu novo show, Elza, Operária Brasileira, estreado na noite de 7 de janeiro de 2010 no Teatro Rival no Rio de Janeiro (RJ). De fato, apesar de o conceito do roteiro (idealizado para abordar a saga do trabalhador brasileiro) logo se mostrar frouxo, a bossa negra da cantora sustenta o show. Quando reaparece no palco do Rival (caracterizada como empregada doméstica) para reviver no bis o samba Malandro (Jorge Aragão e Jotabê), o público já está nas mãos dessa operária da música brasileira, que estreia shows (foram três ao longo de 2009) como quem troca de figurino. E, verdade seja dita, se a maioria das músicas já é recorrente na voz rascante da intérprete, os arranjos são absolutamente novos, timbrados na pressão por uma big-band que garante a pulsação do show. Nem mesmo uma torção no tornozelo - fato que obrigou Elza a se apresentar sentada - impediu o assanhamento da mulata.

O primeiro bloco é o único que se ajusta ao conceito alardeado na mídia. Na companhia do violão de João de Aquino, Elza alinha dois sambas dos anos 40 - Pedreiro Waldemar (Wilson Batista e Roberto Martins, 1949) e O Trem Atrasou (Paquito, Estanislau Silva e Artur Vilarinho - sucesso do cantor Roberto Paiva em 1941) - que expuseram com aguda consciência social a injustiça social que pontua a vida do trabalhador no Brasil. Depois, entre frases-clichês como "Todo brasileiro é um operário", Elza apresenta Três Apitos sem realçar toda a melancolia contida no samba lançado em 1933 por Noel Rosa (1910 - 1937). Na sequência, os violões de João de Aquino e de seu filho Gabriel de Aquino erguem moldura que evoca a tensão da precisa letra de Construção - lida por Elza - em arranjo que consegue se dissociar da orquestração original feita pelo maestro Rogério Duprat (1932 - 2006) para a música lançada por Chico Buarque em 1971. Dez!!!!!

Findo o coerente set inicial, Aquino sai de cena e a big-band que acompanha Elza - com seus músicos portando capacetes típicos de operários - passa a dominar o palco, com os metais, os teclados e a percussão passando a garantir o balanço. Inclusive o suingue de tom jazzy que adorna o medley que agrega Ave Maria no Morro (Herivelto Martins), Faceira (Ary Barroso), Adeus América (Geraldo Jacques e Haroldo Barbosa) e Eu Quero um Samba (Haroldo Barbosa e Janet Almeida). É quando Elza exibe toda sua bossa negra com a voz privilegiada que evoca o som de um sax. É uma bossa plural que se ajusta tanto ao suingue personalíssimo de Jorge Ben Jor - representado por Bebete Vãobora e Hoje É Dia de Festa - quanto ao tom afro de Timbó (Ramón Russo), número herdado do show dividido por Elza em 2009 com o grupo Farofa Carioca. É a África mãe que embala tanto o balanço de A Carne ((Marcelo Yuka, Seu Jorge e Wilson Cappellette)- música lançada pelo Farofa em 1996 em seu primeiro disco que Elza tornou sua a partir dos anos 2000 - quanto a arquitetura genial do samba-enredo Heróis da Liberdade (Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manoel Ferreira, 1969). A obra-prima do repertório da escola de samba carioca Império Serrano dá a senha para o sotaque final do show, terminado em samba. Da mesma forma que antes juntara engenhosamente Cry me a River (Arthur Hamilton, 1953) com Juventude Transviada (Luiz Melodia, 1976), Elza costura no bloco final dois sucessos carnavalescos do compositor Luiz Reis: Salve a Mocidade e a marcha Bloco de Sujo (esta em parceria com Luís Antonio). E assim Elza põe mais uma vez seu bloco na rua - com a tenacidade típica de uma operária brasileira.

4 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

"É som de preto, de favelado... Quando a Elza canta, ninguém fica parado", sentenciou Elza Soares sem a mínima modéstia, citando o funk Som de Preto (MCs Amilckar e Chocolate) no bis de seu novo show, Elza, Operária Brasileira, estreado na noite de 7 de janeiro de 2010 no Teatro Rival no Rio de Janeiro (RJ). De fato, apesar de o conceito do roteiro (idealizado para abordar a saga do trabalhador brasileiro) logo se mostrar frouxo, a bossa negra da cantora sustenta o show. Quando reaparece no palco do Rival (caracterizada como empregada doméstica) para reviver no bis o samba Malandro (Jorge Aragão e Jotabê), o público já está nas mãos dessa operária da música brasileira, que estreia shows (foram três ao longo de 2009) como quem troca de figurino. E, verdade seja dita, se a maioria das músicas já é recorrente na voz rascante da intérprete, os arranjos são absolutamente novos, timbrados na pressão por uma big-band que garante a pulsação do show. Nem mesmo uma torção no tornozelo - fato que obrigou Elza a se apresentar sentada - impediu o assanhamento da mulata.

O primeiro bloco é o único que se ajusta ao conceito alardeado na mídia. Na companhia do violão de João de Aquino, Elza alinha dois sambas dos anos 40 - Pedreiro Waldemar (Wilson Batista e Roberto Martins, 1949) e O Trem Atrasou (Paquito, Estanislau Silva e Artur Vilarinho - sucesso do cantor Roberto Paiva em 1941) - que expuseram com aguda consciência social a injustiça social que pontua a vida do trabalhador no Brasil. Depois, entre frases-clichês como "Todo brasileiro é um operário", Elza apresenta Três Apitos sem realçar toda a melancolia contida no samba lançado em 1933 por Noel Rosa (1910 - 1937). Na sequência, os violões de João de Aquino e de seu filho Gabriel de Aquino erguem moldura que evoca a tensão da precisa letra de Construção - lida por Elza - em arranjo que consegue se dissociar da orquestração original feita pelo maestro Rogério Duprat (1932 - 2006) para a música lançada por Chico Buarque em 1971. Dez!!!!!

Findo o coerente set inicial, Aquino sai de cena e a big-band que acompanha Elza - com seus músicos portando capacetes típicos de operários - passa a dominar o palco, com os metais, os teclados e a percussão passando a garantir o balanço. Inclusive o suingue de tom jazzy que adorna o medley que agrega Ave Maria no Morro (Herivelto Martins), Faceira (Ary Barroso), Adeus América (Geraldo Jacques e Haroldo Barbosa) e Eu Quero um Samba (Haroldo Barbosa e Janet Almeida). É quando Elza exibe toda sua bossa negra com a voz privilegiada que evoca o som de um sax. É uma bossa plural que se ajusta tanto ao suingue personalíssimo de Jorge Ben Jor - representado por Bebete Vãobora e Hoje É Dia de Festa - quanto ao tom afro de Timbó (Ramón Russo), número herdado do show dividido por Elza em 2009 com o grupo Farofa Carioca. É a África mãe que embala tanto o balanço de A Carne ((Marcelo Yuka, Seu Jorge e Wilson Cappellette)- música lançada pelo Farofa em 1996 em seu primeiro disco que Elza tornou sua a partir dos anos 2000 - quanto a arquitetura genial do samba-enredo Heróis da Liberdade (Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manoel Ferreira, 1969). A obra-prima do repertório da escola de samba carioca Império Serrano dá a senha para o sotaque final do show, terminado em samba. Da mesma forma que antes juntara engenhosamente Cry me a River (Arthur Hamilton, 1953) com Juventude Transviada (Luiz Melodia, 1976), Elza costura no bloco final dois sucessos carnavalescos do compositor Luiz Reis: Salve a Mocidade e a marcha Bloco de Sujo (esta em parceria com Luís Antonio). E assim Elza põe mais uma vez seu bloco na rua - com a tenacidade típica de uma operária brasileira.

8 de janeiro de 2010 às 12:08  
Anonymous Dirce said...

Está mais para Genet do que para Marx.

8 de janeiro de 2010 às 22:56  
Blogger Sandro CS said...

De um lado, é emocionante ver a Elza em atividade, sendo aclamada pela crítica em geral.
Porém, fica uma estranha sensação de que a super turbinada Elza atual está mais para caricatura de si mesma, pois o suíngue e a voz já ficaram no passado.

9 de janeiro de 2010 às 13:10  
Anonymous Anônimo said...

De certa forma, outras músicas do roteiro também falam sobre o trabalho ou o universo do trabalhador.

11 de janeiro de 2010 às 17:56  

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