30 de abril de 2009

Dolores exibe entre amigos precisão de sua voz

Resenha de CD
Título: Dolores
entre Amigos
Artista: Dolores Duran
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * * *

Dolores Duran (1930 - 1959) passou com razão para a história da música brasileira como a compositora inspirada que desafiou a lógica machista - ainda imperante nos anos 50, a despeito do pioneirismo de Chiquinha Gonzaga (1847 - 1935) - de que a atividade de fazer música era natural e exclusivamente masculina. Dolores foi a fina estilista que deu ao samba-canção - gênero que tinha acabamento tosco nas mãos de compositores menos talentosos - peças de alta costura melódica como Fim de Caso e Castigo. Decorridos 50 anos da morte da autora da obra-prima A Noite do meu Bem, é difícil imaginá-la como uma intérprete versátil, de voz precisa, capaz de entoar com emissão límpida um clássico da canção norte-americana como Over the Rainbow (Harold Arlen e E.Y. Harburg). Pois este é o maior mérito do CD Dolores Entre Amigos, editado esta semana pela gravadora Biscoito Fino. A precisa intérprete Dolores - ouvida em dez faixas recuperadas de inédita gravação feita em fita por Geraldo Casé num sarau caseiro que ocorreu entre 1958 e 1959 - salta aos ouvidos neste álbum de valor documental imensurável. As gravações vieram à tona em pesquisa realizada pela jornalista Ângela Almeida para a produção de uma ainda inédita biografia da parceira de Tom Jobim (1927 - 1994) em Estrada do Sol e Por Causa de Você. Nessa sessão caseira, Dolores é acompanhada por extraordinário trio formado pelos violonistas Baden Powell (1937 - 2000) e Manoel da Conceição (1930 - 1996) - o Mão de Vaca - e por Chiquinho do Acordeom (1928 - 1993). Em clima de jam session, a compositora se mostra à vontade na arte do scat singing ao interpretar How High the Moon (Nancy Hamilton e Morgan Lewis) e na refinada corrente melódica de Cry me a River (Arthur Hamilton). Como a sanfona era o instrumento da moda nos anos 50 da fase pré-Bossa Nova, Chiquinho do Acordeom marca presença nos registros de Mocinho Bonito (samba de Billy Blanco, compositor assíduo no repertório da Dolores intérprete), Neste Mesmo Lugar (samba-canção de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas) e de trecho do Hymne a l'Amour (Edith Piaf e Marguerite Monnot). A qualidade do áudio é excelente - levando-se em conta que a gravação é caseira e tem pelo menos 50 anos - e valoriza esta relíquia fonográfica, que preserva inclusive alguns diálogos da gravação. Ouvir Dolores esbanjar leveza e suingue na interpretação de Cheek to Cheek (Irving Berlin) é um prazer que não tem preço. E, para aumentar ainda mais o valor documental do álbum, Dolores Duran entre Amigos traz três preciosas faixas-bônus, captadas em 1949 e 1953 em sessões informais no apartamento do casal Raul e Helenita Marques de Azevedo. Dolores - que, na época da gravação de 1949, ainda adotava seu nome de batismo, Adiléia Silva da Rocha, e não tinha iniciado carreira como cantora (ela começaria a gravar em 1951) - entoa Body and Soul na companhia do piano de Jaques Klein (1930 - 1982). Além deste standard jazzístico, Dolores canta dois temas de Billy Blanco, Eu sem Você e Praça Mauá, com o violão do autor. O set de 1949/1953 reforça a imagem melancólica erroneamente associada a Dolores Duran, mas o registro do fim dos anos 50 adiciona cores e alegria nessa imagem com que a artista costuma ser retratada - a despeito de álbuns como Dolores Duran Canta para Você Dançar (1957). Em ambos, contudo, paira a qualidade precisa e excepcional das interpretações de Dolores, reafirmando (e mesmo revelando) que a cantora era tão inspirada quanto a compositora.

6 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Resenha de CD
Título: Dolores
entre Amigos
Artista: Dolores Duran
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * * *

Dolores Duran (1930 - 1959) passou com razão para a história da música brasileira como a compositora inspirada que desafiou a lógica machista - ainda imperante nos anos 50, a despeito do pioneirismo de Chiquinha Gonzaga (1847 - 1935) - de que a atividade de fazer música era natural e exclusivamente masculina. Dolores foi a fina estilista que deu ao samba-canção - gênero que tinha acabamento tosco nas mãos de compositores menos talentosos - peças de alta costura melódica como Fim de Caso e Castigo. Decorridos 50 anos da morte da autora da obra-prima A Noite do meu Bem, é difícil imaginá-la como uma intérprete versátil, de voz precisa, capaz de entoar com emissão límpida um clássico da canção norte-americana como Over the Rainbow (Harold Arlen e E.Y. Harburg). Pois este é o maior mérito do CD Dolores Entre Amigos, editado esta semana pela gravadora Biscoito Fino. A precisa intérprete Dolores - ouvida em dez faixas recuperadas de inédita gravação feita em fita por Geraldo Casé num sarau caseiro que ocorreu entre 1958 e 1959 - salta aos ouvidos neste álbum de valor documental imensurável. As gravações vieram à tona em pesquisa realizada pela jornalista Ângela Almeida para a produção de uma ainda inédita biografia da parceira de Tom Jobim (1927 - 1994) em Estrada do Sol e Por Causa de Você. Nessa sessão caseira, Dolores é acompanhada por extraordinário trio formado pelos violonistas Baden Powell (1937 - 2000) e Manoel da Conceição (1930 - 1996) - o Mão de Vaca - e por Chiquinho do Acordeom (1928 - 1993). Em clima de jam session, a compositora se mostra à vontade na arte do scat singing ao interpretar How High the Moon (Nancy Hamilton e Morgan Lewis) e na refinada corrente melódica de Cry me a River (Arthur Hamilton). Como a sanfona era o instrumento da moda nos anos 50 da fase pré-Bossa Nova, Chiquinho do Acordeom marca presença nos registros de Mocinho Bonito (samba de Billy Blanco, compositor assíduo no repertório da Dolores intérprete), Neste Mesmo Lugar (samba-canção de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas) e de trecho do Hymne a l'Amour (Edith Piaf e Marguerite Monnot). A qualidade do áudio é excelente - levando-se em conta que a gravação é caseira e tem pelo menos 50 anos - e valoriza esta relíquia fonográfica, que preserva inclusive alguns diálogos da gravação. Ouvir Dolores esbanjar leveza e suingue na interpretação de Cheek to Cheek (Irving Berlin) é um prazer que não tem preço. E, para aumentar ainda mais o valor documental do álbum, Dolores Duran entre Amigos oferece três preciosas faixas-bônus, captadas em 1949 em sessão informal no apartamento do casal Raul e Helenita Marques de Azevedo. Dolores - que, na época dessa gravação inicial, ainda adotava seu nome de batismo, Adiléia Silva da Rocha, e não tinha iniciado carreira como cantora (ela começaria a gravar em 1951) - entoa Body and Soul na companhia do piano de Jaques Klein (1930 - 1982). Além deste standard jazzístico, Dolores canta dois temas de Billy Blanco, Eu sem Você e Praça Mauá, na companhia do violão do autor. O set de 1949 reforça a imagem melancólica erroneamente associada a Dolores Duran, mas o registro do fim dos anos 50 adiciona cores e alegria nessa imagem com que a artista costuma ser retratada - a despeito de álbuns como Dolores Duran Canta para Você Dançar (1957). Em ambos, contudo, paira a qualidade precisa e excepcional das interpretações de Dolores, reafirmando (e mesmo revelando) que a cantora era tão inspirada quanto a compositora.

30 de abril de 2009 às 10:56  
Anonymous Leo Ladeira said...

Este comentário foi removido pelo autor.

30 de abril de 2009 às 13:29  
Anonymous Anônimo said...

Cinco estrelas, Mauro???? MIL ESTRELAS para Dolores!!!
Beijo

30 de abril de 2009 às 16:43  
Anonymous Luc said...

Jacques Klein tocando jazz. Que interessante.

1 de maio de 2009 às 20:01  
Anonymous Thais Matarazzo said...

Dolores Duran, voz sensacional, merece todo nossa atenção e carinho. Uma das minhas cantoras preferidas. A sua benção, Dolores!

Este CD deve ser uma pérola!

Um abraço

6 de maio de 2009 às 14:30  
Anonymous Anônimo said...

Tantos anos para preparar a edição e o nome de Baden Powell é escrito Powel, Jacques Klein passa a Jaques, Johnny Green (o autor de Body and Soul) a John Green, enfim... não há nenhuma razão para isso acontecer.

25 de agosto de 2009 às 09:26  

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