17 de setembro de 2010

'Orfeu' perde a aura mítica em montagem atual

Resenha de Musical
Título: Orfeu
Texto: Vinicius de Moraes
Música: Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes
Direção: Aderbal Freire-Filho
Direção musical: Jaques Morelenbaum e Jaime Alem
Elenco: Érico Brás (Orfeu), Aline Nepomuceno
(Eurídice), Jéssica Barbosa (Mira), Wladimir Pinheiro
(poeta), Isabel Fillardis (Dama Negra) e outros
Foto: Divulgação / Mario Canivello
Cotação: * * 1/2
Em cartaz no Canecão (Rio de Janeiro - RJ) até 19 de setembro,
no HSBC Brasil (São Paulo - SP) de 23 de setembro a 3 de outubro,
no Teatro Nacional (Brasília - DF) de 8 a 10 de outubro,
no Teatro Rio Vermelho (Goiânia - GO) em 14 de outubro,
no Teatro do Sesi (Porto Alegre - RS) em 22 e 23 de outubro e
no Teatro Guaíra (Curitiba - PR) em 27 e 28 de outubro

Musical de caráter (literalmente) mítico, Orfeu da Conceição delimita o início da parceria de Tom Jobim (1927 - 1994) com Vinicius de Moraes (1913 - 1980), encontro que daria caráter histórico ao espetáculo que estreou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (RJ) em 25 de setembro de 1956. Ao transpor a paixão de Orfeu & Eurídice para um morro carioca, numa atmosfera carnavalesca, Vinicius abrasileirou o mito grego e o ajustou ao perfil das músicas compostas para a trilha, caso do samba Mulher, Sempre Mulher, tema que pontua a remontagem do musical - ora intitulado somente Orfeu - sob a direção de Aderbal Freire-Filho. Em turnê nacional iniciada pelo Rio de Janeiro, a cidade que o inspirou e na qual Orfeu fica em cartaz até domingo, a encenação de Aderbal não faz jus à expectativa criada. A saga do Orfeu 2010 não transmite em cena o essencial: paixão. É fato que a beleza soberana da música de Tom & Vinicius paira acima de tudo e de todos. Quando se faz ouvir em cena uma obra-prima como Se Todos Fossem Iguais a Você - o tema da trilha sonora de Orfeu que ganharia projeção além do musical se tornaria um clássico mundial - qualquer eventual falha da encenação se apequena diante da grandeza da música, reapresentada em cena sob a reverente direção musical de Jaques Morelenbaum e Jaime Alem. Só que a modernidade atemporal da música não absolve Aderbal pela mexida excessiva na fraca estrutura original do musical - e o arremate com Chega de Saudade (1958) deixa a sensação final de que há inserções desconexas (ainda que não se tenha registro audiovisual da mítica montagem original de 1956). O uso de gírias associadas à bandidagem envolvida em tráfico de drogas também contribui para realçar a artificialidade que por vezes dá o tom da remontagem de Orfeu. Em contrapartida, há belas soluções cênicas. A cena de sexo do casal protagonista - ao som do Soneto da Infidelidade e da fatalista O Que Tinha de Ser (1959) - é instante que eleva a encenação defendida por talentoso elenco negro no qual se destacam as figuras vivazes de Érico Brás (um Orfeu com a ardência que não se vê em Eurídice), Wladimir Pinheiro (na figura do Poeta que funciona como um alter-ego de Vinicius e que tem seu grande momento ao cantar lindamente a Modinha) e Jéssica Barbosa (Mira, a rival de Eurídice na briga por Orfeu). No papel da Dama Negra, Isabel Fillardis tem bela presença cênica - valorizada pelo figurino deslumbrante de Kika Lopes - que ganha alguma real expressividade quando a atriz entoa o recém-redescoberto Tema da Dama Negra em bonito registro vocal. Esse elenco cheio de garra segue as coreografias de Carlinhos de Jesus, cujas marcas são especialmente visíveis nos números de samba. Por fim, entre tantas músicas que não foram criadas para Orfeu, vale ressaltar que A Felicidade (1959) e Água de Beber (1961) - alocada em cena de bar, como a água simbolizando a cerveja - se ajustaram bem à narrativa poética de Vinicius. Mas o fato é que, mesmo diante de tanta música de qualidade excepcional, a remontagem de Orfeu transcorre fria, sem a emoção esperada de texto movido a paixão.

2 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Musical de caráter (literalmente) mítico, Orfeu da Conceição delimita o início da parceria de Tom Jobim (1927 - 1994) com Vinicius de Moraes (1913 - 1980), encontro que daria caráter histórico ao espetáculo que estreou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (RJ) em 25 de setembro de 1956. Ao transpor a paixão de Orfeu & Eurídice para um morro carioca, numa atmosfera carnavalesca, Vinicius abrasileirou o mito grego e o ajustou ao perfil das músicas compostas para a trilha, caso do samba Mulher, Sempre Mulher, samba que pontua a remontagem do musical - ora intitulado somente Orfeu - sob a direção de Aderbal Freire-Filho. Em turnê nacional iniciada pelo Rio de Janeiro, a cidade que o inspirou e na qual Orfeu fica em cartaz até domingo, a encenação de Aderbal não faz jus à expectativa criada. A saga do Orfeu 2010 não transmite em cena o essencial: paixão. É fato que a beleza soberana da música de Tom & Vinicius paira acima de tudo e de todos. Quando se faz ouvir em cena uma obra-prima como Se Todos Fossem Iguais a Você - o tema da trilha sonora de Orfeu que ganharia projeção além do musical se tornaria um clássico mundial - qualquer eventual falha da encenação se apequena diante da grandeza da música, reapresentada em cena sob a reverente direção musical de Jaques Morelenbaum e Jaime Alem. Só que a modernidade atemporal da música não absolve Aderbal pela mexida excessiva na estrutura original do musical - e o arremate com Chega de Saudade (1958) deixa a sensação final de que há inserções desconexas (ainda que não se tenha registro audiovisual da mítica montagem original de 1956). O uso de gírias associadas à bandidagem envolvida em tráfico de drogas também contribui para realçar a artificialidade que por vezes dá o tom da remontagem de Orfeu. Em contrapartida, há belas soluções cênicas. A cena de sexo do casal protagonista - ao som do Soneto da Infidelidade e da fatalista O Que Tinha de Ser (1959) - é instante que eleva a encenação defendida por talentoso elenco negro no qual se destacam as figuras vivazes de Érico Brás (um Orfeu com a ardência que não se vê em Eurídice), Wladimir Pinheiro (na figura do Poeta que funciona como um alter-ego de Vinicius e que tem seu grande momento ao cantar lindamente a Modinha) e Jéssica Barbosa (Mira, a rival de Eurídice na briga por Orfeu). No papel da Dama Negra, Isabel Fillardis tem bela presença cênica - valorizada pelo figurino deslumbrante de Kika Lopes - que ganha alguma real expressividade quando a atriz entoa o recém-redescoberto Tema da Dama Negra em bonito registro vocal. Esse elenco cheio de garra segue as coreografias de Carlinhos de Jesus, cujas marcas são especialmente visíveis nos números de samba. Por fim, entre tantas músicas que não foram criadas para Orfeu, vale ressaltar que A Felicidade (1959) e Água de Beber (1961) - alocada em cena de bar, como a água simbolizando a cerveja - se ajustaram bem à narrativa poética de Vinicius. Mas o fato é que, mesmo diante de tanta música de qualidade excepcional, a remontagem de Orfeu transcorre fria, sem a emoção esperada de texto movido a paixão.

17 de setembro de 2010 às 16:54  
Blogger Luca said...

Mauro, só quem viu a montagem de 56 é que pode avaliar se os acréscimos mexeram na estrutura original da peça. Se você não viu, não cabem comparações.

17 de setembro de 2010 às 18:06  

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