15 de julho de 2010

'Side Man' toca ao retratar a irmandade do jazz

Resenha de teatro
Título: Side Man
Autor: Warren Leight
Direção: Zé Henrique de Paula
Elenco: Alexandre Slaviero, Otávio Martins, Sandra Corveloni, Daniel Costa, Eric Lenate, Luciano Schwab e outros
Fotos: Divulgação / Ronaldo Gutierrez
Cotação: * * *
Em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo (SP), de quinta-feira a domingo. Até dia 1º de agosto de 2010
Side man, no jargão do jazz, é o termo que designa o músico sem vínculos profissionais regulares, convocado para tocar em discos e grupos alheios. Inspirado na memória paterna, o dramaturgo norte-americano Warren Leight escreveu peça sobre o universo desses músicos, não raro brilhantes, que quase nunca alcançam a fama e saem de cena esquecidos, como se eles não houvessem existido. Side Man debutou na Broadway em 1998 e deu a Leight no ano seguinte um Tony - o Oscar do teatro americano - pelo texto eventualmente tocante que foca o apogeu e a decadência do jazz ao retratar o cotidiano de um trompetista talentoso, Gene, às voltas com o desemprego, o prazer de tocar e o alcoolismo da mulher, Terry. É este bom texto que, 12 anos depois da estreia, ganha sua primeira montagem brasileira, em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso - em São Paulo (SP) - até dia 1º de agosto de 2008.
Atraente no todo, a versão nacional de Side Man tem sua nota mais dinossante no primeiro ato, longo e (em alguns momentos) até arrastado. Tivesse o diretor Zé Henrique de Paula optado por agilizar a narrativa inicial, a peça teria evidenciado de imediato a atmosfera de sedução urdida no envolvente segundo ato. Todavia, como o ritmo é lento no início, o público demora a se apegar ao (sub)mundo do jazz onde nasceu Clifford Glimmer (Alexandre Slaviero, numa atuação surpreendente), o narrador da peça, alter-ego de Warren Leight e fio condutor das memórias alinhavadas com sensibilidade pelo dramaturgo. Clifford é o filho único do trompetista Gene (Otávio Martins) e Terry (Sandra Corveloni), casal que tem sua trajetória contada por meio da ação que vai e volta no tempo. A narrativa se inicia em meados dos anos 50 - na época do pós-guerra, no apogeu do jazz - e vai até 1985, quando o jazz já exerce menor poder de sedução na indústria da música. É que, a partir de 1956, a explosiva entrada em cena de Elvis Presley (1935 - 1977) - citada de forma episódica em cena da peça - altera o panorama de forma desfavorável para os jazzistas. Ao ser logo entronizado nos corações e mentes, o rock'n'roll acabou gerando o melancólico fim do reinado do jazz nos Estados Unidos. É quando escasseiam as oportunidades para músicos como Gene, fazendo aflorar os problemas conjugais que acabam por afastá-lo de Terry.
A cumplicidade de Gene com seus colegas músicos - Al (Daniel Costa), Jonesy (Eric Lenate) e Ziggy (Luciano Schwab) - gera alguns dos momentos mais bonitos da peça. A cena em que eles ouvem, reverentes, a última gravação do trompetista Clifford Brown (1930 - 1956) é especialmente tocante e exemplifica a irmandade que liga os jazzistas. Gente cuja sensibilidade às vezes está mais na música do que na vida off-jazz. Caso de Gene, que ganha composição minuciosa de Otávio Martins, cuja atuação em Side Man já lhe rendeu merecida indicação ao Prêmio Shell de São Paulo. Graças ao trabalho de Martins, parece até que Gene é encarnado por um ator no primeiro ato e por outro no segundo - tamanha é a riqueza detalhista com que o ator desenha Gene na juventude e na decadência. Sandra Corveloni também delimita bem as diferenças entre a Terry iluminada da juventude e a Terry sombria da decadência, consumida pelo álcool e a indiferença de Gene. O descompasso do casal rende cenas de alto teor dramático.
Também indicado ao Prêmio Shell, de forma igualmente justa, o cenógrafo Jean-Pierre Tortil consegue simular e diferenciar com elegância vários ambientes no espaço cênico. Enfim, Side Man tem seus encantos - inclusive na trilha sonora, pontuada por gravações de Frank Sinatra (1915 - 1998) em sua fase áurea, na gravadora Capitol - e eventualmente consegue até emocionar ao montar, a partir das recordações de Clifford, o memorial afetivo de um jazzista que não tocava por fama e tampouco por dinheiro, mas tão somente pelo prazer de tocar e ser ouvido pelos colegas. Mas seria ainda melhor se o ritmo do primeiro ato fosse agilizado.

2 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Side man, no jargão do jazz, é o termo que designa o músico sem vínculos profissionais regulares, convocado para tocar em discos e grupos alheios. Inspirado na memória paterna, o dramaturgo norte-americano Warren Leight escreveu peça sobre o universo desses músicos, não raro brilhantes, que quase nunca alcançam a fama e saem de cena esquecidos, como se eles não houvessem existido. Side Man debutou na Broadway em 1998 e deu a Leight no ano seguinte um Tony - o Oscar do teatro americano - pelo texto eventualmente tocante que foca o apogeu e a decadência do jazz ao retratar o cotidiano de um trompetista talentoso, Gene, às voltas com o desemprego, o prazer de tocar e o alcoolismo da mulher, Terry. É este bom texto que, 12 anos depois da estreia, ganha sua primeira montagem brasileira, em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso - em São Paulo (SP) - até dia 1º de agosto de 2008.
Atraente no todo, a versão nacional de Side Man tem sua nota mais dinossante no primeiro ato, longo e (em alguns momentos) até arrastado. Tivesse o diretor Zé Henrique de Paula optado por agilizar a narrativa inicial, a peça teria evidenciado de imediato a atmosfera de sedução urdida no envolvente segundo ato. Todavia, como o ritmo é lento no início, o público demora a se apegar ao (sub)mundo do jazz onde nasceu Clifford Glimmer (Alexandre Slaviero, numa atuação surpreendente), o narrador da peça, alter-ego de Warren Leight e fio condutor das memórias alinhavadas com sensibilidade pelo dramaturgo. Clifford é o filho único do trompetista Gene (Otávio Martins) e Terry (Sandra Corveloni), casal que tem sua trajetória contada por meio da ação que vai e volta no tempo. A narrativa se inicia em meados dos anos 50 - na época do pós-guerra, no apogeu do jazz - e vai até 1985, quando o jazz já exerce menor poder de sedução na indústria da música. É que, a partir de 1956, a explosiva entrada em cena de Elvis Presley (1935 - 1977) - citada de forma episódica em cena da peça - altera o panorama de forma desfavorável para os jazzistas. Ao ser logo entronizado nos corações e mentes, o rock'n'roll acabou gerando o melancólico fim do reinado do jazz nos Estados Unidos. É quando escasseiam as oportunidades para músicos como Gene, fazendo aflorar os problemas conjugais que acabam por afastá-lo de Terry.
A cumplicidade de Gene com seus colegas músicos - Al (Daniel Costa), Jonesy (Eric Lenate) e Ziggy (Luciano Schwab) - gera alguns dos momentos mais bonitos da peça. A cena em que eles ouvem, reverentes, a última gravação do trompetista Clifford Brown (1930 - 1956) é especialmente tocante e exemplifica a irmandade que liga os jazzistas. Gente cuja sensibilidade às vezes está mais na música do que na vida off-jazz. Caso de Gene, que ganha composição minuciosa de Otávio Martins, cuja atuação em Side Man já lhe rendeu merecida indicação ao Prêmio Shell de São Paulo. Graças ao trabalho de Martins, parece até que Gene é encarnado por um ator no primeiro ato e por outro no segundo - tamanha é a riqueza detalhista com que o ator desenha Gene na juventude e na decadência. Sandra Corveloni também delimita bem as diferenças entre a Terry iluminada da juventude e a Terry sombria da decadência, consumida pelo álcool e a indiferença de Gene. O descompasso do casal rende cenas de alto teor dramático.
Também indicado ao Prêmio Shell, de forma igualmente justa, o cenógrafo Jean-Pierre Tortil consegue simular e diferenciar com elegância vários ambientes no espaço cênico. Enfim, Side Man tem seus encantos - inclusive na trilha sonora, pontuada por gravações de Frank Sinatra (1915 - 1998) em sua fase áurea, na gravadora Capitol - e eventualmente consegue até emocionar ao montar, a partir das recordações de Clifford, o memorial afetivo de um jazzista que não tocava por fama e tampouco por dinheiro, mas tão somente pelo prazer de tocar e ser ouvido pelos colegas. Mas seria ainda melhor se o ritmo do primeiro ato fosse agilizado.

15 de julho de 2010 às 01:06  
Blogger Luca said...

Penso que o jazz nunca foi para massas, é um som cultuado por poucos em todas as épocas, Elvis não tem a nada a ver com esse declínio apontado no texto

15 de julho de 2010 às 10:47  

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