29 de maio de 2010

'Passageiro' refina obra já perene de Maranhão

Resenha de CD
Título: Passageiro
Artista: Rodrigo Maranhão
Gravadora: MP,B Discos / Universal Music
Cotação: * * * * *

Em 1999, Rodrigo Maranhão se revelou compositor no mercado fonográfico através de boas parcerias com Pedro Luís, gravadas naquele ano por Verônica Sabino (Rosa que me Encanta) e pelo próprio parceiro (Rap do Real, tema vivaz que inspirou o título do segundo álbum de Pedro Luís e a Parede, É Tudo Um Real). No ano seguinte, Baile da Pesada - parceria com Fernanda Abreu, gravada pela Garota Sangue Bom no álbum Entidade Urbana - repôs Maranhão no circuito do funk carioca. Rota seguida pelo compositor no comando da miscigenada Bangalafumenga, banda-sensação da cena indie do Rio de Janeiro (RJ) nos anos 90. Mas foi somente em 2005, quando Maria Rita pôs sua voz no Caminho das Águas ao fazer o disco Segundo, que Maranhão começou de fato a ser notado como compositor por público mais amplo. Gravado também por Roberta Sá, o autor carioca - cuja ascendência vem do Rio Grande do Norte - teve então a chance de tecer Bordado, seu primeiro CD solo, editado em 2007. A costura do repertório inspirado chamou atenção, ainda que várias músicas já tivessem sido gravadas por intérpretes com maior domínio vocal. Três anos depois, Passageiro - o sublime segundo disco solo de Maranhão - contradiz seu título e confirma que o artista veio para ficar, com lugar garantido no primeiro time de compositores de sua geração.

Desta vez, tudo é novo. E tudo soa novo. Sob a batuta minimalista do produtor Zé Nogueira, Maranhão lança estupendo e inédito repertório autoral, situado entre o samba urbano e os ritmos do interior nordestino. Entre o sertão e o mar exposto na capa, muso inspirador do Samba pra Vadiar que evoca o universo praieiro de Dorival Caymmi (1914 - 2008). Hábil na costura artesanal desse cancioneiro inédito, Nogueira consegue a proeza de disfarçar os limites vocais de Maranhão. Mesmo miúda, a voz alcança todas as intenções poéticas de temas como o onírico baião Sonho, a toada Três Marias - que transita em trilho pavimentado pelo violão de Maranhão e pela percussão sutil de Marçal - e o xote Maria Sem Vergonha, embasado pelo delicado arsenal percussivo de Marcos Suzano. Passageiro, a propósito, foi todo bordado no tempo da delicadeza, irmanando samba feito (quase) à moda tradicional do morro (Um Samba pra Ela), canção de amor ao estilo camerístico (De Mares e Marias, embalada pelo piano de Leandro Braga e por cordas regidas pelo próprio pianista) e tema inspirado pelo mais universal dos ritmos portugueses (Quase um Fado - faixa na qual figura a pungente voz lusitana de António Zambujo). As ousadias estilísticas do compositor - como a subversão do conceito de suingue no Samba Quadrado - atestam que Maranhão está em nítida evolução como compositor. O repertório de Bordado, já de alto nível, é superado pela safra de inéditas de Passageiro. O disco em si é obra-prima que embute pequenas obras-primas como a já citada toada Três Marias, a Valsa Lisérgica - composta com Pedro Luís, parceiro da única faixa não assinada somente por Maranhão - e a canção que dá nome ao álbum e o encerra em tom sublime, com a rabeca cortante de Siba remetendo ao universo da embolada. Completam o repertório Camaleão e Fogo no Paiol, samba capaz de incendiar um bloco. Enfim, um disco irretocável, bordado com poesia tão minimalista e elegante quanto a acústica arquitetura dos arranjos. Sem ter a pretensão de soar muderno, Rodrigo Maranhão já começa a se insinuar compositor eterno no cancioneiro popular brasileiro. Passageiro refina obra já perene.

12 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Em 1999, Rodrigo Maranhão se revelou compositor no mercado fonográfico através de boas parcerias com Pedros Luís, gravadas naquele ano por Verônica Sabino (Rosa que me Encanta) e pelo próprio parceiro (Rap do Real, tema vivaz que inspirou o título do segundo álbum de Pedro Luís e a Parede, É Tudo Um Real). No ano seguinte, Baile da Pesada - parceria com Fernanda Abreu, gravada pela Garota Sangue Bom no álbum Entidade Urbana - repôs Maranhão no circuito do funk carioca. Rota seguida pelo compositor no comando da miscigenada Bangalafumenga, banda-sensação da cena indie do Rio de Janeiro (RJ) nos anos 90. Mas foi somente em 2005, quando Maria Rita pôs sua voz no Caminho das Águas ao fazer o disco Segundo, que Maranhão começou de fato a ser notado como compositor por público mais amplos. Gravado também por Roberta Sá, o autor carioca - cuja ascendência vem do Rio Grande do Norte - teve então a chance de tecer Bordado, seu primeiro CD solo, editado em 2007. A costura do repertório inspirado chamou atenção, ainda que várias músicas já tivessem sido gravadas por intérpretes com maior domínio vocal. Três anos depois, Passageiro - o sublime segundo disco solo de Maranhão - contradiz seu título e confirma que o artista veio para ficar, com lugar garantido no primeiro time de compositores de sua geração.

Desta vez, tudo é novo. E tudo soa novo. Sob a batuta minimalista do produtor Zé Nogueira, Maranhão lança estupendo e inédito repertório autoral, situado entre o samba urbano e os ritmos do interior nordestino. Entre o sertão e o mar exposto na capa, muso inspirador do Samba pra Vadiar que evoca o universo praieiro de Dorival Caymmi (1914 - 2008). Hábil na costura artesanal desse cancioneiro inédito, Nogueira consegue a proeza de disfarçar os limites vocais de Maranhão. Mesmo miúda, a voz alcança todas as intenções poéticas de temas como o onírico baião Sonho, a toada Três Marias - que transita em trilho pavimentado pelo violão de Maranhão e pela percussão sutil de Marçal - e o xote Maria Sem Vergonha, embasado pelo delicado arsenal percussivo de Marcos Suzano. Passageiro, a propósito, foi todo bordado no tempo da delicadeza, irmanando samba feito (quase) à moda tradicional do morro (Um Samba pra Ela), canção de amor ao estilo camerístico (De Mares e Marias, embalada pelo piano de Leandro Braga e por cordas regidas pelo próprio pianista) e tema inspirado pelo mais universal dos ritmos portugueses (Quase um Fado - faixa na qual figura a pungente voz lusitana de António Zambujo). As ousadias estilísticas do compositor - como a subversão do conceito de suingue no Samba Quadrado - atestam que Maranhão está em nítida evolução como compositor. O repertório de Bordado, já de alto nível, é superado pela safra de inéditas de Passageiro. O disco em si é obra-prima que embute pequenas obras-primas como a já citada toada Três Marias, a Valsa Lisérgica - composta com Pedro Luís, parceiro da única faixa não assinada somente por Maranhão - e a canção que dá nome ao álbum e o encerra em tom sublime, com a rabeca cortante de Siba remetendo ao universo da embolada. Completam o repertório Camaleão e Fogo no Paiol, samba capaz de incendiar um bloco. Enfim, um disco irretocável, bordado com poesia tão minimalista e elegante quanto a acústica arquitetura dos arranjos. Sem ter a pretensão de soar muderno, Rodrigo Maranhão já começa a se insinuar compositor eterno no cancioneiro popular brasileiro. Passageiro refina obra já perene.

29 de maio de 2010 às 17:30  
Anonymous Anônimo said...

Fazia tempo que o Mauro escrevia uma crítica tão boa, super bem escrita, maravilha, Maranhão merece! Linda a capa do disco.

29 de maio de 2010 às 17:37  
Anonymous Anônimo said...

5 estrelas, man?
Vou conferir.

30 de maio de 2010 às 00:10  
Blogger Vinny said...

Rodrigo realmente é um gênio!

30 de maio de 2010 às 02:03  
Anonymous Anônimo said...

Eu comprei o disco sem compromisso e estou VICIADO, não paro de ouvir, muito bom mesmo, vale todas as estrelas.

30 de maio de 2010 às 10:17  
Anonymous Flávio Silveira said...

Ainda não ouvi o novo disco, mas já falo isso há tempos. Rodrigo Maranhão é o melhor compositor disparado de sua geração.

30 de maio de 2010 às 11:59  
Blogger Amigos das Bibliotecas said...

Merecidíssimo!!!
As ***** estrelas assinaladas por vc valem cada minuto desse CD.

Maravilhoso!!!

A cada audição alterno minha música preferida.

No momento "Passageiro" a música que dá título ao CD é a que me "toma o pensamento".

Até agora, o CD do ano!!!

Mercido tmb o reconhecimento com a obra do Maranhão, artista que vem na calada, conquistando seu espaço, principalmente entre as cantoras que buscam novidades bacanas p

30 de maio de 2010 às 17:11  
Anonymous Anônimo said...

Mauro,

Bela crítica!

Adoro o trabalho do Rodrigo.

Fiquei com água na boca.

Abraços,

Lula

30 de maio de 2010 às 19:05  
Blogger André Luís said...

Tenho o 1º CD do Rodrigo, assisti seu show aqui em Natal, o conheci pessoalmente. Então comprei hoje seu 2º CD "no escuro" sem medo. Tenho certeza que é uma obra-prima. Só espero que seja um álbum com mais de 30 minutos de duração... rsrs

30 de maio de 2010 às 21:57  
Anonymous Irene - BH said...

Rodrigo e Edu Krieger são os melhores de sua geração. Juntos no palco, então, são imbatíveis, têm uma química perfeita!

31 de maio de 2010 às 12:17  
Anonymous Anônimo said...

vale cada estrelinha!
linda crítica,mauro!
beijo luso,
lu!

7 de junho de 2010 às 22:24  
Anonymous André Brasília said...

O Melhor CD dos últimos tempos!
Não canso de ouvir!
Perfeito!

29 de junho de 2010 às 11:33  

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