20 de janeiro de 2010

Roberta abre bem roda solar que saúda Roque

Resenha de Show
Título: Quando o Canto É Reza
Artista: Roberta Sá e Trio Madeira Brasil
Local: Centro Cultural Carioca (RJ)
Data: 19 de janeiro de 2010
Foto: Rodrigo Amaral
Cotação: * * * * 1/2
Em cartaz às terças-feiras - até 9 de fevereiro de 2010

Compositor baiano lançado em disco por Clara Nunes (1942 - 1983) em 1979, Roque Ferreira viria a fazer sucesso popular em 1995, ano em que Zeca Pagodinho lançou o Samba pras Moças. Nos últimos anos, o autor tem sido presença recorrente nas fichas técnicas dos álbuns de Maria Bethânia com seu vivaz repertório enraizado nas tradições rítmicas do Recôncavo Baiano. Em 2007, Roberta Sá - uma das melhores cantoras surgidas nos anos 2000 - pôs sua voz leve a serviço de um samba de Roque, Afefé, gravado pela intérprete com o Trio Madeira Brasil para uma coletânea de gravações inéditas, Samba Novo, editada pela gravadora Som Livre. Afefé é o embrião do terceiro álbum de estúdio de Roberta, a ser gravado depois do Carnaval com repertório inteiramente dedicado à obra de Roque Ferreira. Um cancioneiro de tom afro-brasileiro que está sendo testado pela cantora no show Quando o Canto É Reza, em cartaz às terças-feiras (até 9 de fevereiro de 2010) no Centro Cultural Carioca, pequena casa do Rio de Janeiro.

"Bem-vindos à grande roda em homenagem a Roque Ferreira", saudou Roberta no palco dividido com o Trio Madeira Brasil e com os percussionistas Zero e Paulino Dias. A cantora se referiu ao fato de a obra solar de Roque estar calcada no samba-de-roda que brotou no Recôncavo Baiano. Sem dispensar eventualmente o toque do ijexá e a levada da chula, as músicas de Roque são belos cartões-postais da Bahia. Em total sintonia com o ritmo, as letras de seus sambas evocam os signos da fé afro-brasileira - citando de forma recorrente os orixás do Candomblé - e do universo baiano. É prato cheio para cantoras como Bethânia e Mariene de Castro, para citar somente duas intérpretes que recorrem regularmente ao cancioneiro de Roque. O grande diferencial da abordagem de Roberta Sá reside na sua união com o Trio Madeira Brasil. Sem ofuscar a percussão, elemento essencial em qualquer roda, as cordas do trio são a cereja do bolo que dão sabor especial aos sambas de Roque sem trair sua essência rítmica. Até porque Zé Paulo Becker, Marcello Gonçalves e Ronaldo do Bandolim exibem molejo para encarar sambas como Tricô (que vem a ser a versão integral da música lançada por Maria Bethânia como A Mão do Amor no álbum Tua, de 2009). Os arranjos de Becker e Gonçalves preservam a vibração da obra, sem recorrer aos clichês do samba.

Já ao entrar em cena, cantando a capella uma folia de reis enquanto caminha para o palco, Roberta Sá expõe sua intimidade com o tom quase folclórico dos temas de Roque. Se Água Doce (um ijexá do qual foi extraído o título Quando o Canto É Reza) mais parece um samba em apropriado feitio de oração, Chita Fina introduz a vivacidade rítmica que pontua o refinado repertório selecionado por Roberta com seus versos repletos de imagens cinematográficas que citam o mar, os orixás, os colares e as saias rodadas, entre outros símbolos que mitificam a Bahia ao olhos do Brasil. Símbolos reiterados em Orixá de Frente e em Mulata de Ouro, temas vivazes que se impõem no roteiro. Seja no ritmo da chula (Xirê), do ijexá (Menino) ou do coco (Cocada, deliciosa na interpretação graciosa de Roberta Sá), a obra de Roque Ferreira exala luz, alegria e poesia. "Aprendi no marejo do mar as manhas do amor", poetiza, aliás, Roberta em verso do melodioso samba Marejada. Tão envolvente quanto a levada de Catimbó. Nessa onda afro-brasleira, Mão de Ofá e Axé de Oxum são muito bem costuradas em medley cujo elo é a devoção do compositor aos orixás. No cancioneiro de Roque, há pouco ou nenhum lugar para a dor. Até as mágoas de amor são dissolvidas com fé e atitude - como em Tô Fora, samba que exemplifica a evolução do canto de Roberta Sá. Ela está cantando para fora e soltando a voz com mais força, mas sem perda da leveza que sempre dá graça às suas interpretações. Enfim, a julgar pelo show Quando o Canto É Reza, Roberta Sá vai fazer em 2010 um terceiro álbum de estúdio tão impactante e tão coeso quanto seus dois trabalhos anteriores, Braseiro (2005) e Que Belo Estranho Dia para se Ter Alegria (2007). Ela abriu muito bem a grande roda, mostrando que sabe rezar pela cartilha de Roque Ferreira. Que venha o disco!

10 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Compositor baiano lançado em disco por Clara Nunes (1942 - 1983) em 1979, Roque Ferreira viria a fazer sucesso popular em 1995, ano em que Zeca Pagodinho lançou o Samba pras Moças. Nos últimos anos, o autor tem sido presença recorrente nas fichas técnicas dos álbuns de Maria Bethânia com seu repertório enraizado nas tradições rítmicas do Recôncavo Baiano. Em 2007, Roberta Sá - uma das melhores cantoras surgidas nos anos 2000 - pôs sua voz leve a serviço de um samba de Roque, Afefé, gravado por Roberta com o Trio Madeira Brasil. Destaque da coletânea de gravações inéditas Samba Novo, editada pela gravadora Som Livre, Afefé é o embrião do terceiro álbum de estúdio de Roberta, a ser gravado depois do Carnaval com repertório inteiramente dedicado à obra de Roque Ferreira. Cancioneiro de tom afro-brasileiro que está sendo testado pela cantora no show Quando o Canto É Reza, em cartaz às terças-feiras (até 9 de fevereiro de 2010) no Centro Cultural Carioca, pequena casa do Rio de Janeiro.

"Bem-vindos à grande roda em homenagem a Roque Ferreira", saudou Roberta no palco dividido com o Trio Madeira Brasil e com os percussionistas Zero e Paulino Dias. A cantora se referiu ao fato de obra solar de Roque estar calcada no samba-de-roda que brotou no Recôncavo Baiano. Sem dispensar eventualmente o toque do ijexá e a levada da chula, as músicas de Roque são cartões-postais da Bahia. Em total sintonia com o ritmo, as letras de seus sambas evocam os signos da fé afro-brasileira - citando de forma recorrente orixás do Candomblé - e do universo baiano. Prato cheio para cantoras como Bethânia e Mariene de Castro, para citar somente duas intérpretes que recorrem regularmente ao cancioneiro de Roque. O grande diferencial da abordagem de Roberta Sá reside na sua união com o Trio Madeira Brasil. Sem ofuscar a percussão, elemento essencial em qualquer roda, as cordas do trio são a cereja do bolo que dão sabor especial aos sambas de Roque sem trair sua essência rítmica. Até porque Zé Paulo Becker, Marcello Gonçalves e Ronaldo do Bandolim exibem molejo para encarar sambas como Tricô (que vem a ser a versão integral da música lançada por Maria Bethânia como A Mão do Amor no álbum Tua, de 2009). Os arranjos de Becker e Gonçalves preservam a vibração da obra sem recorrer aos clichês do samba.

20 de janeiro de 2010 às 17:53  
Blogger Mauro Ferreira said...

Já ao entrar em cena, cantando a capella uma folia de reis enquanto caminha para o palco, Roberta Sá expõe sua intimidade com o tom quase folclórico dos temas de Roque. Se Água Doce (tema do qual foi extraído o título Quando o Canto É Reza) mais parece um samba em apropriado feitio de oração, Chita Fina introduz a vivacidade rítmica que pontua o refinado repertório selecionado por Roberta com seus versos repletos de imagens cinematográficas que citam o mar, os orixás, os colares e as saias rodadas, entre outros símbolos que mitificam a Bahia ao olhos do Brasil. Símbolos reiterados em Orixá de Frente e em Mulata de Ouro, temas vivazes que se impõem no roteiro. Seja no ritmo da chula (Xirê), do ijexá (Menino) ou do coco (Cocada, deliciosa na interpretação graciosa de Roberta), a obra de Roque Ferreira exala luz, alegria e poesia. "Aprendi no marejo do mar as manhas do amor", poetiza, aliás, Roberta em verso do melodioso samba Marejada. Tão envolvente quanto a levada de Catimbó. Nessa onda afro-brasleira, Mão de Ofá e Axé de Oxum são muito bem costuradas em medley cujo elo é a devoção do compositor aos orixás. No cancioneiro de Roque, há pouco ou nenhum lugar para a dor. Até as mágoas de amor são dissolvidas com fé e atitude - como em Tô Fora, samba que exemplifica a evolução do canto de Roberta Sá. Ela está cantando para fora e soltando a voz com mais força, mas sem perda da leveza que dá graça às suas interpretações. Enfim, a julgar pelo show Quando o Canto É Reza, Roberta Sá vai fazer em 2010 um terceiro álbum de estúdio tão impactante e tão coeso quanto seus dois trabalhos anteriores, Braseiro (2005) e Que Belo Estranho Dia para se Ter Alegria (2007). Ela abriu muito bem a grande roda, mostrando que sabe rezar pela cartilha de Roque Ferreira. Que venha o disco!

20 de janeiro de 2010 às 17:54  
Blogger VFSA - Portugal said...

Olá Mauro, sou um leitor assíduo do blog e agradeço por ter informação tão precisa, coerente, empenhada e com muitos comentários interessantes. Sou um curioso na vossa cultura e no que acontece nesse grande país.
A Roberta Sá é um exemplo de como o Brasil tem sempre espaço para uma nova grande intérprete. Aguardo que ela apresente-se novamente aqui na cidade do Porto desejando assistir a este novo trabalho com as palavras do Roque Ferreira que conheço pela voz de uma grande senhora da interpretação no Brasil.
Ah, gostei de ver o senhor Mauro no programa Sem Censura ao lado da Maria Bethânia em 1999.
Portugal

20 de janeiro de 2010 às 19:55  
Anonymous Anônimo said...

Vou ter quer ficar ouvindo os 3 primeiros discos da Roberta... Odeio esse repertório macumba africano do Roque. Espero que no próximo ela volte ao normal!!

20 de janeiro de 2010 às 22:05  
Blogger Santana Filho said...

É conhecido (e louvável) o bom gosto de Roberta na escolha de seu repertório. Roque Ferreira é uma uzina de boa música.
Gostei de saber que a cantora está 'encorpando' a voz. É o que falta para defini-la como uma das grandes cantoras destes tempos.
Jovialidade e leveza sempre fizeram parte de seu canto.

Açucena, eucalipto, primavera.

20 de janeiro de 2010 às 22:31  
Anonymous Anônimo said...

Vem clássico por aí, espero ansioso...

20 de janeiro de 2010 às 22:54  
Anonymous Denilson said...

Mauro,

Cadê a crítica sobre o show do Zé Renato, no mesmo Centro Cultural Carioca?

No mais, fico feliz em saber que a RS está cantando mais para fora e soltando a voz com mais força. Confesso que isso me incomodava bastante no canto dela, que julgo monocórdico, na minha opinião.

abração,
Denilson

21 de janeiro de 2010 às 13:09  
Blogger Mauro Ferreira said...

Oi, Denilson, a crítica do show do Zé Renato vai entrar na segunda-feira, dia em que o show volta ao cartaz.
abs, MauroF

21 de janeiro de 2010 às 14:45  
Anonymous Leo said...

podia ser o quarto disco de estúdio dela esta homenagem ao Roque.

21 de janeiro de 2010 às 19:55  
Anonymous Anônimo said...

Pois eu adoro o repertório "macumba africano" do Roque Ferreira (e do Caymmi, do Vinícius, do Ruy Mauruty, ADORO MÚSICA DE MACUMBA), e acho que ele é um dos melhores compositores da atualidade. É mesmo uma grande felicidade que Bethânia, Roberta, Mariene, Fabiana Cozza, Jussara Silveira tenham descoberto esse cara. Nossas grandes cantoras estavam nescessitadas de um bom compositor inspirado e prolífico para abastecer seus repertórios.

22 de janeiro de 2010 às 01:46  

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