
Título: Thaís Gulin
Artista: Thaís Gulin
Local: Cinemathéque Jam Club (RJ)
Data: 25 de abril de 2008
Cotação: * * * 1/2
Lançado discretamente no fim de 2006, pela gravadora Rob Digital, o primeiro ótimo disco de Thaís Gulin revelou cantora interessante, hábil na escolha de um repertório que nunca é óbvio. Qualidades confirmadas e até amplificadas na apresentação feita por Gulin na casa carioca Cinemathéque, em Botafogo, bairro da Zona Sul carioca. Em cena, a intérprete curitibana - radicada no Rio - esbanja personalidade e força que disfarçam o timbre até comum de sua voz. E o fato é que o canto de Thaís Gulin nunca soa trivial no palco e até ganha intensidade, projetando artista segura.
A artista entrou tensa em cena e abriu o show com Garoto de Aluguel (Taxi Boy) sem reeditar o êxito obtido no disco com a releitura deste tema menos conhecido de Zé Ramalho. Em seguida, carregou na dramaticidade ao interpretar História de Fogo, parceria de Otto com a atriz Alessandra Negrini que trilha os caminhos passionais da canção popular. Aos poucos, contudo, Gulin foi achando o tom sem soar linear. Cisco, parceria de Carlos Careqa com Zeca Baleiro, exemplifica a habilidade da cantora para transitar pelos lados B da música brasileira. Os que ninguém ouve.
A ligeira leveza que faltou ao samba Alegria (Arnaldo Antunes) começou a ser encontrada pela cantora ao entoar o samba De Boteco em Boteco (Nelson Sargento), costurado de forma inteligente com Alabama Song (Whisky Bar), tema do repertório do grupo The Doors. A partir daí, o show engrenou. A guitarra de João Gaspar deu peso a 78 Rotações, parceria de Jards Macalé com Capinan, outro exemplo da capacidade de Gulin de descartar obviedades do baú da MPB. De cantar com personalidade o que ninguém canta. Nesse sentido, Cama e Mesa - música de Roberto e Erasmo Carlos, lançada pelo Rei em seu álbum de 1981 - ganha outro sentido na voz viril de Gulin. No início, ela ralenta o ritmo da música e, aos poucos, vai turbinando o número, saboreando com paixão os versos sensuais escritos com volúpia pelos autores.
Com igual desembaraço e com sua habitual força cênica, mas sem pesar demais a mão, Gulin desfia os versos desaforados do Samba Desavec - composto pela cantora em parceria com Mombaça - e envereda pelos meandros da vanguarda paulista em Cinema Incompleto (Núpcias), tema de Arribo Barnabé para o qual Gulin escreveu letra. É quando ela já se sente dona da cena. De fato e de direito, como atestara momentos antes um dos números mais belos do show, Defeito 10: Cedotardar, em que Gulin realça o lirismo da canção de Tom Zé, pontuada pelo acordeom de João Bittencourt (De Tom Zé, aliás, o roteiro inclui também o samba Augusta, Angélica e Consolação - uma das músicas ausentes do disco, idealizado pela cantora e produzido por Fernando Moura).
O acordeom tocado por Bittencourt permanece em cena em Cinema Americano, música de Rodrigo Bittencourt (compositor da faixa-título do terceiro CD de Maria Rita, Samba Meu). O tema de Bittencourt é jóia que reluz na voz de Gulin, que sai de cena ao som do Hino de Duran - à esta altura já com o público seduzido pelo canto e pelo gestual tão fortes quanto o repertório. Se não enfraquecer sua personalidade em nome dos caprichos do insano mercado fonográfico, Thaís Gulin tem tudo para brilhar intensamente na nação das cantoras. É apenas questão de tempo...